A provável sanção do projeto de lei de proteção de dados pessoais pode deixar em situação vulnerável informações sensíveis como as de prontuários médicos e histórico hospitalar.
Lacunas deixadas na proposta aprovada pelo Congresso colocaram especialistas em alerta, com o argumento de que o respeito ao sigilo médico está em risco.
Aprovado pelo Senado no início de junho, o projeto cria um marco legal de proteção, tratamento e uso de dados pessoais. O texto está sob análise de órgãos no governo.
O Palácio do Planalto já indicou que vai usar até o limite do prazo para sanção, que se encerra no dia 14 de agosto.
Um dos artigos do texto estabelece que nem toda informação pessoal precisará de consentimento do titular para ser usada.
É o caso do tratamento de dados para o cumprimento de obrigações regulatórias pelo controlador das informações.
O advogado especializado em propriedade intelectual Fernando Dantas, do escritório Carvalho Dantas e Palhares, explica que o setor de saúde é regulado e pode entrar nessa brecha.
"[A inclusão de] atividades reguladas é uma ampla avenida aberta para o compartilhamento dessas informações autorizado por lei", disse.
Para Dantas, é possível, por exemplo, que empresas de planos de saúde tenham acesso, por meio da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), a dados de prontuários de pessoas que tentam contratar um plano.
Com esses dados em mãos, poderão avaliar a situação de saúde da pessoa, o histórico de enfermidades e se parentes têm doenças. Isso as beneficia para decidirem se aceitam o contrato ou se cobram um valor mais alto, por exemplo.
"É o crime perfeito", afirmou, ponderando que a avaliação ainda é feita em situação hipotética e será preciso ver a lei em funcionamento para fazer uma análise precisa.
A presidente da Associação Brasiliense de Medicina do Trabalho, Rosylane Mercês Rocha, concorda com a avaliação e aponta outro trecho que poderá expor dados médicos.
Um dos artigos do projeto estabelece que não será necessário consentimento dos envolvidos quando dados pessoais forem usados para a realização de estudos por órgãos de pesquisa.
"Uma empresa, por exemplo, pode, com a desculpa de fazer uma pesquisa epidemiológica, ter acesso a todos os dados de adoecimento dos trabalhadores. Uma seguradora de plano de saúde pode dizer que quer fazer uma pesquisa e ter acesso aos dados do segurado e depois acusá-lo de ter uma doença preexistente", disse.
Rosylane é conselheira do CFM (Conselho Federal de Medicina). Oficialmente, porém, o CFM não se pronunciou sobre o projeto. O órgão informou que acompanha o projeto e está em contato com os órgãos que analisam o texto
Hoje, o Brasil tem legislação pulverizada sobre o tratamento de dados. Questões nessa área são tratadas na Constituição, no Código de Defesa do Consumidor e no Marco Civil da Internet.