Uma das principais bandeiras do Ministério da Saúde, as Parcerias de Desenvolvimento Produtivos (PDPs) somam um total de 88 acordos, entre 2009 e este ano, e envolvem 78 produtos, dos quais 64 medicamentos, seis vacinas, quatro produtos para saúde e quatro produtos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Desse total, três vacinas e sete medicamentos foram incluídos em programas de assistência farmacêutica e em campanha nacional de vacinação.
Considerado de alta prioridade para o governo, esse programa é visto com ceticismo por parte das farmacêuticas e fontes ouvidas pelo Valor. "Muitas dessas parcerias incluem produtos que já perderam a patente e que não trazem muita inovação", afirmou uma fonte da indústria. De acordo com outra fonte, o governo teve de trazer farmacêuticas privadas para o programa ganhar maior velocidade, uma vez que boa parte dos laboratórios públicos não apresenta certificado de boas práticas para funcionamento. "O que temos observado é a falta de transparência na escolha das empresas que participam dessas parcerias e até na aquisição de medicamentos", disse outra fonte.
No dia 22 de julho, o Diário Oficial da União publicou um extrato de dispensa de licitação para aquisição do medicamento Ritanovir 100 mg (incluído no coquetel da Aids). O laboratório nacional Cristália, que está entre os maiores parceiros do governo em PDPs, foi o escolhido para fornecer o produto. O Ministério da Saúde, que possui o direito de aplicar margem de preferência de até 25% para impulsionar a produção nacional, decidiu comprar o remédio por R$ 0,83 a unidade, 19% acima da expectativa da aquisição, de R$ 0,72. Comparado com o preço do mesmo produto da Abbott adquirido pelo governo em 2011, o preço ficou 50% maior.
Para fontes ouvidas pelo Valor, o governo tem dado prioridade para um grupo seleto de laboratórios nacionais participar dessas PDPs para estimular a produção n nacional. "Deveria haver uma maior transparência nesses processos de escolha", disse uma fonte. Outra crítica das indústrias é em relação à qualidade de boa parte dos laboratórios públicos. Há 17 deles com PDPs firmadas até o momento - muitos deles ainda não estão aptos para produzir medicamentos.
O Ministério da Saúde informou que desde 2011 intensificou a política de compra centralizada de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS). E por meio dessa política, amplia o poder de compra pelo aumento da escala para obter a máxima economia dos produtos ofertados gratuitamente. Essa política permitiu ao ministério economizar R$ 2 bilhões desde 2011 na oferta de medicamentos e produtos oferecidos gratuitamente no SUS. O governo também tem apostado na política de fortalecimento dos laboratórios públicos que no passado foram sucateados.
No caso do processo realizado este ano para aquisição do Ritonavir, o ministério informou que após duas tentativas de pregões presenciais, nos quais os valores apresentados foram, respectivamente, de R$ 0,88 e R$ 0,85, fez dispensa de licitação e conseguiu reduzir o valor de compra para R$ 0,82. A economia alcançada neste processo de compra foi de R$ 596 mil em relação ao processo de aquisição anterior, em 2012.
Ao Valor, Carlos Gadelha, secretário de ciência e tecnologia do Ministério da Saúde, afirmou que os processos de PDPs têm avançado rapidamente. "A nossa expectativa é que até o primeiro trimestre do ano que vem 20 produtos obtenham o registro da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Nacional]. Vale lembrar que a fase de registro reflete o momento que o produto pode chegar ao mercado", disse. "O número de PDPs no país é recorde no mundo", afirmou, destacando que 27 deles são voltados para a área de biotecnologia - as nacionais Bionovis, Orygen e Libbs estão à frente nesse processo. As PDPs possuem 70 parceiros envolvidos, sendo 17 laboratórios públicos e 53 privados, dos quais 23 multinacionais. "O processo todo é aberto, transparente e participativo. Não há privilégio na escolha de laboratórios parceiros."
Segundo Gadelha, uma das mais importantes iniciativas do governo para estimular essas parcerias será a possibilidade de estimular a produção de farmoquímicos no Brasil, além de reduzir o pesado déficit da balança comercial da Saúde. "A expectativa é reduzir o déficit [que fechou em 2012 em cerca de US$ 11 bilhões] em cerca de US$ 3 bilhões nos próximos cinco anos [até 2018]", afirmou.
Para Antonio Britto, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), a redução do déficit da balança comercial da Saúde dependerá muito mais da capacidade da indústria brasileira de inovar. "Boa parte dessas PDPs está tentando resolver problemas dos medicamentos antigos [sem patente]", disse. "Eu desejo que essa profecia se realize." Segundo Britto, a entrada de laboratórios privados no processo é a clara confissão de que muitos laboratórios públicos não têm capacidade para absorver tecnologia.
Importantes países produtores de medicamentos possuem pesados déficit comercial de produtos farmacêuticos - os EUA são líderes no déficit com US$ 26,98 bilhões e também o maior mercado farmacêutico global. Em segundo está o Japão com US$ 17,03 bilhões e também vice-líder no mercado mundial, de acordo com dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) de 2011, compilados pelo Interfarma. O Brasil é sexto maior mercado e o sexto maior em déficit.
Ao Valor, Ogari Pacheco, presidente da Cristália, disse que há anos a farmacêutica se prepara para produzir medicamentos inovadores e farmoquímicos. "Nós acreditamos na produção de insumos. O Brasil importa boa parte do que consome. O governo só vai sair da situação de 'colônia', se gerar conhecimento. E o governo está aberto para isso e estamos preparados para essa aposta."