Em entrevista exclusiva para Flávio Fachel no Bom Dia Rio desta quinta-feira, a subsecretária municipal de Saúde, Cláudia Lunardi, admitiu falhas na plataforma que deveria agilizar a fila dos que aguardam por atendimento. Cláudia reconheceu que o paciente não tem como saber a posição em que está. A subsecretária ainda disse ser possível burlar o programa.
O Sistema de Centrais de Regulação (Sisreg) é um serviço do SUS que permite o controle e regulação dos recursos hospitalares e ambulatoriais especializados nos níveis municipal, estadual e regional.
No Município do Rio, porém, tem gente esperando há três anos por procedimentos simples. E auditoria do Tribunal de Contas do Município do Rio (TCM) atestou que pacientes que aguardam exames e cirurgias de baixa complexidade estão sendo atendidos fora do Sisreg.
Fila invisível
Como a pessoa sabe qual é o lugar dela na fila? Onde que se consulta isso?
Pois é, olha só, o Sisreg, ele é um sistema centrado para dentro da unidade. O que é isso? Ele é feito para o relacionamento entre unidades, subentendendo que o paciente, ele é muito importante para aquele sistema, correto? Ele tem um número geral. O que que é isso? Cada paciente, uma vez cadastrado, eu, o senhor, qualquer um de nós, existe um número de solicitação. É um protocolo? Não, não, é um número de solicitação que ele transita. Só que ele é único. Então, por exemplo, ele vai ser único no sistema ambulatorial. Ele é atrelado a uma data também.
Mas o lugar dele na fila não está ali...
Ele não consegue dar. Ele dá o número da solicitação. O lugar estritamente na fila eu precisaria abrir com tipo de consulta e contar assim, o senhor é o décimo, entendeu?
Isso está disponível para o cidadão imediatamente?
Está disponível num aplicativo.
Pelo aplicativo o cidadão sabe em que posição ele está na fila?
Não. Ele consegue saber se foi solicitado o serviço dele, entendeu? E se está pendente e se foi agendado.
Então a fila que a gente fala não existe na prática, porque a gente não a enxerga.
Fachel, a fila existe. As unidades enxergam a fila, o que eu não tenho.
Mas o cidadão não enxerga.
Sim, concordo com você.
A senhora já imaginou a senhora na fila, onde a senhora não enxerga quem está à sua frente e quem está atrás?
Eu entendo perfeitamente... mas, assim, eu tenho consciência de que é uma fila. As unidades têm consciência de que é uma fila. Entendo que a transparência para o paciente ainda não existe de forma plena. Ele não sabe exatamente qual é o lugar dele, em que posição. A numeração que o sistema dá é dessa forma.
Na verdade, então, a senhora tem um bolo de pessoas, quer dizer, muitas pessoas querendo atendimento e não tem capacidade de atender a todas? Como é que você escolhe quem será atendido?
Tem um critério técnico. Depende de cada modalidade de atendimento. Então, por exemplo, o paciente que descolou a retina tem um tempo pra ser atendido. Ele é sempre mais urgente, precisa ser operado. To falando de oftalmologia porque é um grande clamor, né? Precisa ser operado num prazo máximo de 60 dias. Então esse paciente sempre vai ser um paciente vermelho pro sistema.
'Fala com a Márcia'
A gente tem uma gravação onde o prefeito sugere que pessoas possam ser beneficiadas de alguma maneira pra ser atendida mais rapidamente. E aí a gente faz a relação imediata: quer dizer, se o cidadão não enxerga o seu lugar na fila, como é que vou saber se alguém furou a fila? É possível saber?
Você tem que avaliar os critérios, você tem que fazer uma avaliação retroativa depois no sistema. O princípio primário é da confiabilidade do servidor público. O servidor público protege o seu próprio paciente, por isso tá muito descentralizada a maior parte dos processos, para que a unidade básica proteja o seu paciente. Ninguém vai ter controle total de nenhum processo de trabalho, né? Qualquer sistema é vencível, quando você quer vencê-lo, mas eu acho que essa prefeitura não quer vencer o sisterma. Ela quer fazer com que o paciente chegue ao serviço, senão a gente não teria isso.
Uma coisa é o médico chegar lá e determinar: olha aqui, esse paciente realmente tem uma gravidade e então ele precisa ser encaminhado para a cirurgia. E a outra são as indicações, que a gente sabe que pode existir. Quer dizer, eu tenho um amigo que pode receber esse atendimento específico no caso da cirurgia de catarata, que é o que a gente tá conversando...como é que eu faço para colocar essas pessoas que eu ofereço esse benefício pra poder passar na frente dessas outras. Existe como fazer isso? É possível ser feito isso?
É só não registrar no sistema, né? Eu posso entrar direto por uma unidade hospitalar, eu não vou saber disso. O sistema não vai medir todos os acessos. Ele pode entrar pela atenção básica, alguém colocá-lo. Eu não sei disso.
Existe essa possibilidade de saber que...
Existe em qualquer momento.
A senhora consegue identificar depois quem faz? A senhora consegue descobrir quem colocou essa pessoa ali naquele lugar?
Se estiver registrado no sistema de regulação, é possível. Pode não estar registrado. Por exemplo, o paciente entrou por dentro, por um outro hospital que não registra tudo. Ele pode ter entrado, operado por qulquer motivo, e eu vou ter o registro dele só depois nos sistemas oficiais para o Ministério da Saúde. Isso pode existir. Não necessariamente isso está registrado no sistema de regulação. Ou seja, nem tudo que a gente imagina é regulado, mas não em tempo real, né?
O controle não é completo?
O controle não é perfeito. Essa é a verdade.
Fila da morte
A gente tem casos de pessoas que estavam aguardando a cirurgia ou um atendimento, e elas faleceram, morreram. E depois que elas morreram chegou finalmente o pedido. Quer dizer, a gente percebe que é muito impessoal. Uma vez que o nome entra para dentro do sistema, ele vira um registro ou ele continua sendo um paciente?
Não, ele é um paciente porque, assim 90% do que a gente tem de oferta de média complexidade, ele está na atenção básica, tem um médico regulador local, exatamente pra aproximar a necessidade do paciente. O que eu não posso negar é que existe uma dificuldade, o que que é isso? A minha oferta de média complexidade desses serviços complementares, ele não é suficiente pra todo mundo. Então ele é para o sistema um registro, para a unidade básica, um paciente.
E quando que o cidadão vai para essa fila?
Quando ele pode ser acompanhado no ambulatório, ele não é feito para urgência. 'Eu estou passando mal, com muita febre, ou estou tendo um sangramento importante, digestivo, comecei a vomitar sangue.' Esse paciente tem que ir pra uma unidade pré-hospitalar. 'Agora, eu de vez em quando tenho uma dor de estômago...eu vou na minha clínica da família, eu vou no meu médico de família', ele vai avaliar. Se ele achar que eu preciso fazer uma endoscopia digestiva, ele vai no Sisreg solicitar o serviço que ele não tem na clínica de família.
Vamos dar vários exemplos então: endoscopia, o que mais?
A consulta pra cirurgia de catarata, que a cirurgia não é feita na clínica de família, a ressonância magnética, que a clínica de família pode solicitar no Rio Imagem, que é um outro sistema que a gente usa com acesso a uma unidade estadual, ou para o sistema de regulação: ultrassom, tomografia, mamografia.