Quando Arthur Barbosa lançou a empresa de pagamentos Paggcerto em Aracaju, há cinco anos, esse mercado ainda engatinhava no Brasil. Para colocar o negócio em operação, ele encomendou os primeiros equipamentos para leitura de cartões da China, via internet, e começou um trabalho para quebrar a desconfiança dos lojistas. Com atuação voltada ao mercado local, a companhia tem hoje 33 funcionários, movimenta R$ 3,5 milhões por mês e ganhou o apelido de "PagSeguro do Nordeste".
O caso mostra que o mapa das startups está se descentralizando no Brasil, com histórias de sucesso em localidades que fogem aos cinco centros que mais reúnem companhias novatas de tecnologia - São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Florianópolis e Recife.
A Paggcerto é a primeira startup do Sergipe a receber aporte de um fundo, e um dos poucos casos do Nordeste. A empresa chamou a atenção do Criatec 2, que acaba de investir R$ 2,5 milhões no negócio, com possibilidade de chegar a R$ 6 milhões com rodadas subsequentes. Os recursos, segundo Barbosa, serão usados para expandir a operação para outros Estados da região. "Os competidores hoje estão muito focados na maquininha. A ideia é nos distanciarmos disso, desenvolvendo uma oferta mais completa", afirma, com a integração com softwares de terceiros, entre outras medidas.
"É natural que grandes centros recebam mais atenção. O problema é que, com o passar do tempo, o custo de extrair a inovação nessas regiões vai ficando mais alto e o ambiente, mais competitivo. Por isso é importante olhar para outros lugares", diz Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira das Startups (Abstartups).
Em um esforço para promover essa "interiorização", a associação fez, em parceria com a Accenture, uma pesquisa para entender onde estão as startups, como essas empresas se organizam e como está o entorno delas. É o chamado ecossistema, que inclui investidores, instituições de ensino, órgãos de fomento etc.
A radiografia, como foi batizado o material, contou com a participação de mil startups. Delas, 73% estão localizadas em 10 comunidades. Além das cinco cidades já citadas, entraram na lista Brasília, Curitiba, Fortaleza, Londrina e Uberlândia.
Mas o número de comunidades é muito maior. São pelos menos 130 espalhadas pelo país. Muitas delas são batizadas com nomes curiosos, que fazem alusão a alguma característica da região. É o caso de Rapadura, em Fortaleza; Pequi Valley, em Goiás; Caju Valley, em Aracaju; e Red Foot, em Londrina.
As comunidades normalmente se formam por iniciativa de empreendedores em regiões que contam com universidades com cursos na área de tecnologia, capazes de garantir a mão de obra necessária para levar a empreitada adiante. Prefeituras, governos estaduais, serviços como o Sebrae e empresas dão apoio operacional e financeiro.
Victor Hugo Moreira, fundador da Trackage, que desenvolve sistemas de rastreamento, foi um dos apoiadores da criação do Zebu Valley, em Uberaba (MG). "Uma coisa que me incomoda é que o cara se forma aqui já com a cabeça de ter que ir para São Paulo porque é lá que vai encontrar oportunidades. Mas nós [Trackage] estamos conseguindo gerar valor", diz.
Criada em 2014, a companhia começou com a proposta de ser um serviço rastreamento de malas para consumidores, mas enxergou uma oportunidade no mercado corporativo e hoje trabalha com empresas como Latam, Porto Seguro e 3M. A Trackage cria softwares e fornece um dispositivo rastreador próprio - uma raridade entre empresas de tecnologia brasileiras. Para 2018, a expectativa é chegar a uma receita de R$ 5 milhões.
Moreira admite que não estar em um grande centro traz dificuldades, como o deslocamento. Uberaba tem poucas opções de voos diretos para São Paulo, por exemplo. Mas o empresário não acha que seja primordial ter equipes instaladas fora da cidade, por enquanto.
Para João Kepler, do fundo Bossa Nova, que tem em seu portfólio uma dezena de empresas nascidas fora dos grandes centros, esse tipo de investimento é um bom negócio. Segundo ele, as companhias podem ter valor de mercado até 40% inferior ao de uma semelhante instalada nos polos mais conhecidos. Muitas vezes, essas companhias já estão em um estágio de desenvolvimento mais avançado e contam com a geração de receita, além de um modelo de negócios validado. "Os investidores têm a noção errada de que, por não estarem em um grande centro, as empresas não estão estruturadas. Mas esses 'caras' estão preparados. O que falta é acesso a capital e a investidores de ponta", diz.
De acordo com Pinho, da Abstartups, o plano é trabalhar com os 130 polos ao longo dos próximos três anos, mapeando vantagens competitivas e deficiências para sugerir eventuais mudanças de rotas. A ideia é agir como uma espécie de Projeto Tamar. Em vez de tartarugas, a meta é proteger as companhias no nascedouro para que mais delas tenham oportunidade de seguir adiante.
Na avaliação de Pedro Waengertner, fundador e presidente da aceleradora de startups Ace, não é de se imaginar que todas a comunidades "vinguem". A tendência é que alguns polos regionais acabem se fortalecendo. Para ele, essa concentração de esforços é a melhor alternativa para um país com as dimensões e as diferentes realidades do Brasil. "Alguns polos não necessariamente deveriam receber a preocupação dos governantes já que não é isso que vai fazer aquela área crescer [economicamente]", diz.