Ao examinar o aposentado Ademar Guedes em um posto de saúde da cidade de Benedito Novo (SC), a médica Jaqueline Menegasso fica em dúvida se prescreve ou não um trombolítico, medicamento usado para dissolver coágulos sanguíneos.
Guedes, 63, se submeteu a uma cirurgia de quadril há dois meses e se queixa de inchaço nas pernas. A médica faz uma ligação e é atendida pela cardiologista Priscila Raupp, que está a 627 km, em Porto Alegre (RS).
“Ele sente dores, a perna está quente?”, indaga Priscila, olhando os dados do paciente no computador. Após várias perguntas, a cardiologista não vê necessidade de receitar o remédio, que aumenta o risco de sangramento.
Teleconsultorias têm sido usadas como forma de aumentar a efetividade da atenção primária à saúde e reduzir as longas filas de espera por especialistas no SUS.
O serviço é oferecido por um programa ligado à UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), com apoio do governo gaúcho e subsidiado pelo Ministério da Saúde.
Em cinco anos, o TelessaúdeRS fez mais de 90 mil consultorias por telefone de médicos de todo o país com índice de resolução de 62%. Ou seja, 6 em cada 10 casos clínicos atendidos no programa são resolvidos no posto de saúde, sem necessidade de encaminhamentos a especialistas.
Médicos, dentistas, pessoal da enfermagem e demais profissionais na ponta do SUS podem usá-lo em dias úteis no horário comercial. A ligação para 0800-644-6543 é gratuita.
A sala de teleatendimentos, na região central de Porto Alegre, lembra uma central de telemarketing. Há 53 profissionais —médicos de 15 especialidades, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas e farmacêuticos.
“A gente responde a qualquer dúvida médica. Recebemos uma imagem de uma lesão de pele, por exemplo, e já se discute na hora com o dermatologista. O profissional que usa o serviço vira cliente”, diz Roberto Umpierre, coordenador do TelessaúdeRS.
O programa também regula a lista de espera por especialistas no interior gaúcho e obteve redução de 47% da fila —de 170 mil para 90 mil pessoas. Há déficit de 3.000 a 5.000 consultas por mês.
A partir de julho o serviço de regulação da fila será replicado em cinco capitais (Porto Alegre, Rio, Manaus, Maceió e Brasília). O lançamento ocorre nesta quinta-feira (28).
Juntas, essas cidades têm filas de mais de 500 mil pessoas em 14 especialidades, entre elas neurologia, endocrinologia e cardiologia.
Entre os parceiros do projeto está o Hospital Sírio-Libanês (SP), que investirá R$ 37 milhões oriundos do Proadi-SUS, um programa do Ministério da Saúde em que hospitais filantrópicos recebem isenção fiscal federal em troca de parcerias com o SUS.
“Existem filas de espera por especialistas que não são nem muito reais. Nos mutirões, encontramos pessoas que não precisavam daquele exame ou tratamento que estavam esperando”, diz Paulo Chapchap, diretor-geral do Sírio.
Outro problema é que essas filas, em geral, não levam em conta a gravidade dos casos. “Há pessoas em estado grave no meio de outras não graves e que ficavam esperando muito tempo, piorando a condição clínica. Com a regulação [no RS], diminuiu o tempo de espera”, diz Roberto Umpierre.
No interior gaúcho, após a regulação, foi possível reduzir o tempo na fila de espera em 60%, em média. A demora para conseguir um neurologista, por exemplo, caiu 90% (de 647 dias para 67 dias). Na pneumologia, a redução foi de 89% (256 para 28 dias).
A regulação funciona assim: um núcleo de médicos do TelessaúdeRS avalia os pedidos de encaminhamento a especialistas, priorizando os casos mais urgentes. A análise se baseia em protocolos clínicos para 250 doenças, como diabetes, hipertensão, insuficiências cardíaca e renal crônica.
Quando há dúvida sobre a necessidade do atendimento especializado, o núcleo entra em contato com o médico do posto e rediscute o caso.
No entanto, a estratégia tem limitações. Não consegue resolver filas de espera por procedimentos mais complexos quando o município não dispõe de uma rede adequada.
“A telemedicina é excelente ferramenta para a atenção primária, mas não resolve tudo. O paciente que precisa de alguns serviços especializados e cirurgias eletivas continua no limbo”, afirma o médico Gustavo Gusso, professor de clínica médica da USP.
Em Porto Alegre, que só agora terá a fila regulada, há mais de 90 mil pessoas à espera de especialistas. Outras 9.000 aguardam cirurgias gerais.
Segundo o secretário municipal de Saúde, Erno Harzheim, a desatualização da tabela SUS e a desorganização na rede explicam em grande parte as filas de espera na média e alta complexidade.
Ele afirma que a atual gestão está renegociando contratos com prestadores de serviços, além de ampliar hospitais próprios, o que deve aumentar a oferta de exames e cirurgias.