Palavra presente em praticamente todas as manifestações dos últimos dois meses nas principais cidades do país, a corrupção é mais repudiada do que entendida. Fica difícil para qualquer cidadão cumpridor de seus deveres aceitar mensalões e seus sucedâneos, gastanças de políticos com dinheiro desviado de programas de governo, suportar calado denúncias sobre compra e venda de favores em conluios público-privados os mais variados. Isso, sem contar sonegação fiscal, comércio ilegal, informalidades abusivas, exemplos ou desdobramentos de diversas formas de pactos que ferem fundo o interesse público.
Antes que os mais revoltados imaginem alternativas além das manifestações de rua, escapando do viés democrático, é preciso discutir formas de quebrar as engrenagens de funcionamento da corrupção e seu impacto no sistema econômico, para levar o país a superar obstáculos no caminho do desenvolvimento. Essa é a intenção de "Corrupção - Entrave ao Desenvolvimento do Brasil", livro do jornalista Oscar Pilagallo, que está sendo lançado agora, a partir do seminário "O impacto da corrupção sobre o desenvolvimento", realizado em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) com apoio do Valor.
Ficou claro durante o seminário, o que Pilagallo transpôs para o livro, que a corrupção "subjacente a múltiplas distorções na economia subtrai recursos das políticas públicas, prejudica a sociedade, causa perda de competitividade das empresas, fortalece a cultura da leniência e incentiva a conivência com situações de transgressão". Isso faz do livro um verdadeiro manual, didático, sobre o que é a corrupção, como pode ser combatida, suas origens - e bem oportuno, agora que a presidente Dilma Rousseff sancionou lei específica para punição de empresas envolvidas em corrupção.
Com um enfoque antropológico, a ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie faz distinção entre corrupção e percepção da corrupção, "o que nos conduz necessariamente a tratar da questão da sensação de impunidade". Segundo ela, existe corrupção no Brasil como em qualquer outro país e existem informações que chegam às pessoas "pelas lentes deformantes de aumento" de alguns veículos de comunicação. "Não surpreende que a população seja tomada de um mal-estar coletivo. Ao ler os jornais, tem-se a impressão de que todas as instituições estão corroídas", afirma a ex-ministra.
Há uma atitude dualista do brasileiro comum frente à corrupção, observa Ellen Gracie, que oscila entre o denuncismo, geralmente enviesado para o pré-julgamento, e a condescendência com práticas "nada republicanas". Ela citou o caso do ex-ministro da Saúde Alceni Guerra, no começo dos anos 1990, acusado da compra superfaturada de bicicletas, denúncia que, comprovou-se mais tarde, não tinha procedência. Ao mesmo tempo, porém, o mesmo cidadão irado com as autoridades não vê nada de errado em furar uma fila ou estacionar o carro em cima de uma calçada.
Professor de ética e filosofia da Unicamp, Roberto Romano concorda com a ex-ministra do STF sobre o papel da mídia. Para ele, a tendência de nos depreciarmos em demasia tem a ver com o tratamento que os meios de comunicação dispensam a determinadas questões. E ainda compara a situação do Brasil com a de outros países, que não é das piores. Mas a gravidade do problema, garante, tem relação com a percepção e a geração da corrupção e o sincronismo desses eixos. "No mesmo momento em que um escândalo está sendo denunciado, todos os outros estão operando, o que muitas vezes não é levado em conta", explica Romano.
Outro participante do seminário que deu origem ao livro, Cristiano Noronha, da Arko Advice, atribui à "espetacularização da notícia" o aumento da percepção da corrupção e o fato de as pessoas não darem atenção aos avanços realizados. Acusações sem provas acabam resultando no descrédito das instituições e no repúdio dos cidadãos aos políticos de forma generalizada, fazendo com que a grande exposição cause distorção na percepção da corrupção. "Não existe qualquer evidência de que a corrupção no país fosse menor no passado, mas sim de que ela era menos visível", afirma Noronha.
Dizer que a percepção da corrupção aumentou, no entanto, como analisa Oscar Pilagallo, não significa dizer que a corrupção também não tenha aumentado. Existem, por exemplo, novas formas de atos corruptos de políticos, como os que levam ao aumento do poder político. "A corrupção que compra o poder é exacerbada por um sistema presidencialista de coalizão sobre uma base ideológica frágil, quando existente, como é o caso brasileiro. A governabilidade do país depende da força de uma aliança partidária que não tem identidade ideológica."
Embora aparentemente sempre esteja a postos para falar mal dos políticos, o cidadão está mais preocupado com a economia do que com a corrupção, analisa Noronha. "Se está empregado e recebe seu salário, ele não percebe a corrupção como um prejuízo para ele. Como dizia Platão, 'não há nada de errado com aqueles que não gostam da política: simplesmente, vão ser governados por aqueles que gostam'." O conferencista ainda cita pesquisa que mostra mais aceitação da corrupção por pessoas com menos escolaridade.
Sem fronteiras, com casos, denúncias e escândalos mundo afora, a corrupção passou a ser acompanhada pela Transparência Internacional, uma ONG que elabora anualmente o Índice de Percepção da Corrupção, de abrangência mundial, publicado desde 1995. Em 2012, ano do julgamento do mensalão, o Brasil ficou na 69ª colocação entre 176 países analisados, com 43 pontos, pouco abaixo da média internacional de 43,3 pontos. Em dezembro do ano passado, antes de divulgar seu ranking, a Transparência colocou em seu site um comentário sobre o julgamento do mensalão, observando que "o Brasil está colocando a luta contra a corrupção no topo da agenda".
Por mais carregado de otimismo que possa parecer o comentário da ONG, fica fácil entender a "Percepção" do nome do índice. Isso, porque no texto da Transparência Internacional também há um alerta para o fato de que, mesmo havendo condenações inéditas no mensalão, "ninguém se entrega à ilusão de que o problema da corrupção tenha sido resolvido". Há inegáveis avanços, como as eleições por urna eletrônica, a lei 9.840 (da corrupção eleitoral), a Lei da Ficha Limpa e a internet, entre outros. Importante, no livro de Oscar Pilagallo, é mostrar a corrupção com suas muitas faces, de modo que, se for o caso de ser enxergada como um "bicho de sete cabeças", o cidadão perceba, mesmo assim, que há como enfrentar o monstro.
Oscar Pilagallo. Editora: Campus. 136 págs., R$ 39,90
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