Quando o ilustrador Carl Barks criou o professor Pardal para a Walt Disney Company, personificou o inventor engenhoso e solitário inserindo a inovação no imaginário dos baby boomers - geração nascida no pós-guerra. Era 1952 e as estratégias corporativas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) ganhavam musculatura. Centros de P&D (públicos e privados) se fortaleciam nos EUA e Europa, facilitando a transferência do conhecimento científico criado nas universidades ao mercado.
A busca por dominância científica engordou os orçamentos governamentais, enxertando capital na corrida espacial e na energia nuclear. As empresas procuraram conexão com esse ambiente, firmando parcerias com universidades e centros públicos. No lugar de inventores, investiram em times de cientistas.
Nos anos 60, a Monsanto criou sua divisão agrícola. Começou a explorar as fronteiras da química e, nos anos 1970, descobriu a molécula de glifosato, base para o desenvolvimento de seu herbicida globalmente famoso, o Roundup. Na década seguinte, a companhia acompanhou os avanços na genética e aplicou recursos em biotecnologia para, em 1994, iniciar a comercialização de organismos geneticamente modificados nos EUA. Até então, os estudos estavam dentro das fronteiras da empresa, o que permitia um ciclo mais longo de P&D. "A digitalização chegou para mudar tudo", afirma Bernardo Nogueira, líder da Monsanto Growth Ventures para a América do Sul.
Acostumada a lidar com áreas como a química e a biologia, a Monsanto se vê agora às voltas com tecnologias capazes de analisar dados em larga escala e predizer - com uso de inteligência artificial - as necessidades de cada cultura. "A nova fronteira é a agricultura digital. Mas essa inovação vai acontecer em bases diferentes", diz Nogueira.
Além das universidades e centros próprios de P&D, é preciso buscar projetos nas startups. Estas empresas são formadas por empreendedores inspirados pela trajetória de baby boomers como Steve Jobs, fundador da Apple, e Bill Gates, da Microsoft. Iniciam seus negócios nas salas das universidades, nas garagens ou em escritórios compartilhados. Debruçam-se sobre projetos próprios e buscam soluções inovadoras em todos os segmentos. "Não dá para saber de onde virá a próxima sacada", afirma Nogueira.
Ágeis e dinâmicas, as startups estão chacoalhando as estruturas dos centros privados de pesquisa. "As novatas se tornaram elos importantes nas cadeias produtivas, renovando o modelo de P&D", diz Guilherme de Marco Lima, presidente do Amoveri Group, especializado na formatação e execução de parcerias para inovação. De acordo com Lima, as grandes empresas têm de desenvolver habilidade para trabalhar com startups. "A colaboração nos projetos pode beneficiar as cadeias produtivas, resultando em mercados mais fortes e prósperos", diz. Os modelos serão distintos e envolvem desde a compra da startup à contratação dos serviços.
A Monsanto começou a aplicar recursos em startups há sete anos. Até agora investiu em 20 novatas. A tacada mais ousada foi a compra da americana Climate, por US$ 930 milhões, em 2013. A aquisição incorporou a análise de informações agrícolas à oferta de serviços da Monsanto. "A Climate nos abriu as portas da agricultura digital", revela Nogueira.
No Brasil, a Monsanto investe nos projetos da Tbit, uma solução baseada em inteligência artificial para o controle de qualidade de grãos, e da Grão Direto, que desenvolveu uma plataforma digital para compra e venda de grãos. Ao todo, serão desembolsados R$ 2 milhões nas duas iniciativas.
A aproximação com startups está na agenda dos empresários. Não importa o setor de atuação. Rolf Hoenger, presidente da Roche Farma Brasil, diz que a estratégia permite, além de identificar novos fármacos e biofármacos, desenvolver serviços para pacientes e sistemas de saúde. No ano passado, a Roche desafiou novatas brasileiras a disputar seu apoio em projetos na área de oncologia. A Ziel Biosciences venceu a rodada com uma solução que ajuda na detecção do câncer de colo do útero. "Trata-se de um dispositivo que facilita a coleta de material para exame", afirma.
Neste ano, a Roche quer conhecer projetos que envolvam a gestão de dados para o setor da saúde. "O capital humano no Brasil é rico. Muitas das grandes ideias nascem nos pequenos laboratórios", destaca Hoenger. A farmacêutica mantém uma equipe de "olheiros", profissionais que participam ativamente de eventos de startups em busca de craques.
A internet democratizou a informação e conectou grupos de pesquisa pelo mundo. Já a redução dos custos computacionais derrubou a barreira do investimento inicial para o desenvolvimento de soluções e para processamento de análises, permitindo a proliferação de startups. "Um estudante tem à sua disposição a mesma tecnologia que a agência espacial americana (Nasa) usa no lançamento de foguetes", compara André Echeverria, diretor de inovação e transformação digital da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom).
De acordo com ele, nos últimos dez anos, o custo dos recursos-chave para a transformação digital caiu pelo menos 97%. Tecnologias como internet das coisas, análise de dados e inteligência artificial são ofertadas sob demanda - em plataformas compartilhadas de computação em nuvem. São fáceis de contratar e permitem testes, cálculos e provas de conceito. "Um bom exemplo é o sequenciamento de DNA, que hoje é realizado por uma fração do valor cobrado no início deste século, lembra o executivo. Com recursos mais baratos, a tecnologia da informação tem permitido convergência entre as ciências, reduzindo o tempo das descobertas e ampliando as inovações.
"Além do desenvolvimento das TICs, as startups inovam utilizando as tecnologias para resolver diferentes problemas de negócios", diz Lucas Pinz, diretor de tecnologia da Logicalis. Para acompanhar o mercado, a solução foi buscar parceiros nos dois lados do balcão. "Formamos uma rede composta por projetos interessantes e por soluções digitais que podemos oferecer a nossos clientes", relata o executivo.