O Snapchat, aplicativo de mensagens temporárias, alvoroçou os investidores no ano passado após ter vendido US$ 3,4 bilhões em ações sem direito a voto durante sua oferta pública inicial de ações (IPO, nas iniciais em inglês).
Esse era o mais recente sinal, para muitos investidores, de que o princípio consagrado de "uma ação, um voto" estava sendo corroído pelas empresas, que prontamente aceitam o dinheiro das administradoras de recursos e fundos de pensão. Mas elas estavam, segundo acreditavam os investidores, cada vez menos dispostas a conceder aos donos do dinheiro voz suficiente sobre como essas empresas eram geridas.
Nos meses que se seguiram, um número crescente de investidores intensificou seus esforços de lobby contra o que veem como o enfraquecimento mundial dos padrões de governança, advertindo que os acionistas têm de ser capazes de cobrar responsabilidade das companhias.
Deborah Gilshan diretora de investimentos ambiental, social e de governança da Standard Life Aberdeen, uma das maiores casas de fundos de capital aberto da Europa, disse: "Uma ação, um voto é a base da governança corporativa. Sempre foi assim: a pessoa deve ter um voto para cada ação que detém."
O foco na desigualdade dos direitos a voto ocorre num momento em que as gestoras de ativos sofrem crescente pressão para cobrar responsabilidade das empresas. Muitos fundos de pensão e outros clientes pedem cada vez mais às suas gestoras de investimentos que garantam um comportamento responsável das empresas.
Mary Leung, diretora de advocacia para a Ásia-Pacífico do CFA Institute, o órgão mundial de profissionais de investimento, disse: "Estamos vendo um crescente engajamento entre investidores e empresas, e seria triste verificar essa queda pelo fato de os investidores terem menos direitos."
Há 30 anos, duas classes de ações eram incomuns, e normalmente encontradas em empresas de controle familiar, como a sul-coreana Samsung, o laboratório suíço Roche e a varejista sueca H&M. Mas isso mudou quando o Google resolveu abrir seu capital, em 2004. Em vez de seguir a prática consolidada de oferecer a cada acionista um voto para cada ação que possuísse, a IPO do grupo de tecnologia apresentou duas classes de ações - que davam a alguns acionistas mais voz que a outros.
Na medida em que outras empresas da Costa Oeste dos EUA seguiram os passos do Google, e em que a avaliação dos grupos tecnológicos cresceu rapidamente, as empresas com duas classes de ações começaram a responder por uma parcela maior dos índices, os referenciais usados pelos investidores para medir o desempenho. Empresas com direitos a voto desiguais correspondiam a apenas 4% do Índice Mundial MSCI em termos de peso em 2004, mas esse percentual é agora de 10%.
Rob Dowling, um gestor de fundos da Legal and General Investment Management, que supervisiona US$ 1 trilhão em ativos, disse que há crescente preocupação entre investidores em torno dessa guinada na direção da desigualdade dos direitos a voto. "Quando abrangia uma parcela menor de companhias, isso não era considerado ideal, mas não constituía uma grande preocupação. Mas, na medida em que a parcela de empresas [com direitos desiguais a voto] cresceu, a questão tornou-se um problema maior."
Mary, do CFA, disse que a decisão do Google, encabeçado por Sundar Pichai, e posteriormente do Facebook, fundado por Mark Zuckerberg, de registrar as ações com direitos a voto desiguais gerou mudanças aceleradas de governança. "Pelo fato de [o Google e o Facebook] terem tido tanto sucesso, um grande número de empresas quer imitá-los. Com ou sem razão, [alguns gestores] veem a estrutura de duas classes de ações como sendo parte desse sucesso", disse ela.
Num sinal de que os grandes investidores estão perdendo sua batalha contra as duas classes de ações, o Dropbox, grupo de armazenagem de internet, abriu seu capital neste ano com direitos a voto desiguais. Suas ações classe B envolvem dez votos para cada voto das classe A.
Os empresários argumentaram que, ao manter o controle da companhia, eles são capazes de tomar decisões para o longo prazo, em vez de reagir aos caprichos de curto prazo dos acionistas. Mas Mary disse que esse argumento tem pouco poder no CFA. Embora ela reconheça que, às vezes, poderia fazer sentido, na época da abertura de capital, ter duas classes de ações, argumenta que esses papéis deveriam ser gradualmente desativados com o passar do tempo. "Acreditamos que o princípio de ouro é uma ação, um voto."
Estados Unidos, Suécia, Alemanha, Coreia do Sul e Brasil abrigam empresas com duas classes de ações. Agora outros países pretendem seguir seu exemplo.
Hong Kong mudou suas regras neste ano de modo a permitir que as empresas registrem seus papéis em bolsa com duas classes de ações. A iniciativa foi adotada após a bolsa da cidade ter cometido um erro na abertura de capital do grupo chinês de comércio eletrônico Alibaba, comandado por Jack Ma, que optou por Nova York. Cingapura deverá tomar uma decisão sobre a mudança de suas regras nas próximas semanas, enquanto se prevê que outras bolsas também estudarão reexaminar a questão.
"Com Hong Kong mudando suas regras e Cingapura próxima de seguir seu exemplo, vai-se desencadear uma reação em cadeia. Não sei quem virá a seguir. Para nós, isso é muito alarmante", disse Mary.
Andrew Ninian, diretor de gestão corporativa e governança na entidade de classe britânica Investment Association, descreve a tendência de as bolsas reduzirem mundialmente os padrões de abertura de capital a fim de atrair novas companhias, como uma "guerra competitiva". Ele acrescenta ser "essencial que o Reino Unido continue a manter esses princípios sólidos a fim de proteger os investidores".
Os acionistas já tiveram algum sucesso com seu lobby em torno da desigualdade dos direitos a voto. Depois da operação do Snapchat no ano passado, os maiores provedores de índices - que são as referências com as quais as gestoras de fundos normalmente são cotejadas - resolveram excluir o Snapchat de seus índices. O FTSE Russell também revelou que suprimiria de seus referenciais os papéis que não dão aos acionistas pelo menos 5% do poder de voto, e planeja uma nova consulta para este ano.
Os Índices S&P Dow Jones não permitem mais que empresas com múltiplas classes de ações integrem vários índices, entre os quais o S&P 500, o índice das grandes empresas americanas. Os componentes preexistentes, como o fundo Berkshire Hathaway e o Facebook, podem permanecer.
Em janeiro, a provedora de índices MSCI lançou uma consulta para verificar como deveria gerir outros tipos de estruturas de voto desiguais. Propôs que continuasse a incluir ações com direitos a voto desiguais em seus índices, mas ajustasse as ponderações desses papéis de modo a refletir tanto suas ações disponíveis para transações quanto o poder de voto registrado em nível da empresa. O MSCI deverá tomar uma decisão no mês que vem.
Sacha Sadan, diretor de governança corporativa da gestora de ativos LGIM, diz que apoia as medidas tomadas pelas provedoras de índices, argumentando ser vital que todas as partes da cadeia de investimentos operem para deter qualquer enfraquecimento dos padrões de governança.
Já outros não têm sido tão receptivos. O fundo BlackRock, o maior investidor do mundo, disse em abril que as provedoras de índices deveriam deixar a tarefa de fixação de padrões de governança para os órgãos reguladores, em vez de tentar articular melhorias por meio de exclusões nos índices referenciais.
O fundo Vanguard, o segundo maior investidor mundial, diz que, estruturalmente, é a favor do princípio "uma ação, um voto". "No entanto, quando se trata da inclusão em um índice, consideramos que as empresas com direitos a voto limitados não podem ser excluídas dos índices neste momento. Se um índice pretende ser representativo do mercado, as empresas que preenchem os padrões definidos deveriam ser incluídas e devidamente ponderadas a fim de refletir seu valor de mercado."
Outros argumentam que é essencial que essas empresas não sejam incentivadas a registrar suas ações com direitos de voto desiguais. Apontam para o Facebook, no qual a questão da desigualdade de direitos a voto deixou muitos acionistas com menos voz - o que, argumentam, deve ter tido influência nos recentes escândalos que abalaram a empresa de rede social.
Aeisha Mastagni, gestora de carteira, de governança corporativa, do fundo de pensão americano Calstrs, disse neste mês que é hora de a estrutura de voto do Facebook evoluir. "É hora de pôr fim às duas classes de ações", disse ela.
Acrescenta Aeisha: "Se você se compromete com uma empresa com direitos de voto desiguais, sua voz tem menos expressão". (Tradução de Rachel Warszawski)