Fundada em 2015, a Modalmais, corretora do Banco Modal, anunciou em janeiro sua transformação em banco digital. No mesmo mês, a instituição financeira gaúcha Agiplan reposicionou a marca no mercado com o Agibank, um banco 100% digital. Os anúncios reforçam um fenômeno que, apoiado no uso intensivo de tecnologia, na popularização dos smartphones e na promessa de tornar mais simples, barato e democrático o acesso a serviços bancários, vem transformando a indústria financeira no Brasil.
Os brasileiros começam a abraçar a ideia com mais força. Pesquisa da consultoria Cantarino Brasileiro, especializada em marketing e relacionamento para o setor financeiro, mostra que 54% dos usuários de bancos tradicionais se interessariam em abrir uma conta digital. "Todas essas iniciativas de instituições financeiras digitais, menos custosas e que possam democratizar o acesso a mais e melhores serviços financeiros, são benéficas para a população", diz Bernardo Pascowitch, diretor da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs).
Um dos pioneiros entre os 100% digitais, o Original vê a base de correntistas superar 600 mil pessoas, atraídas por uma conta corrente full service e tarifas mensais que não superam R$ 10. O número de clientes alcançados desde março de 2016 superou as expectativas do banco, segundo Marcelo Santos, diretor-executivo de varejo, produtos, inovação e RH. "Nossa expectativa era abrir de 100 mil a 150 mil contas por ano. Conseguimos o dobro disso", diz, projetando encerrar o ano com 800 mil contas. "Sabíamos que o futuro do mercado financeiro seria digital. E a concorrência agora está mais forte", diz.
De fintechs a corretoras, de bancos médios a grandes instituições financeiras, diversos players querem abocanhar uma fatia desse mercado. A startup de serviços financeiros Nubank também se aventurou na seara de bancos digitais recentemente. Famosa pelo cartão de crédito roxo e sem cobrança de anuidade, a novata, fundada em 2013, anunciou em setembro de 2017 a criação da NuConta.
Disponível na versão beta e ainda restrita a clientes que são usuários do cartão, a conta digital pode ser aberta em três minutos e oferece funcionalidades como depósito, pagamento de contas e TED para outras instituições financeiras, tudo gratuito. Um dos diferenciais é que o dinheiro depositado na conta começa a render automaticamente, pois é aplicado em títulos do Tesouro Direto. "A próxima iniciativa é ampliar o acesso da NuConta a clientes que não utilizam nosso cartão de crédito. Isso deve ocorrer nos próximos meses", diz o diretor financeiro Gabriel Silva.
As estratégias dos bancos digitais se assemelham em muitos aspectos: a abertura das contas é remota, os usuários resolvem tarefas bancárias na internet ou nos apps e há isenção de tarifas - ou cobranças de pequenas taxas pelo uso dos serviços. Mas há diferenças no que se refere à oferta de produtos e serviços e ao público alvo. Na Modalmais, o intuito é oferecer à própria base de clientes da corretora uma plataforma de investimentos casada com conta corrente e serviços e produtos tipicamente bancários, sem cobrança de taxas. Futuramente, serão ofertados empréstimo pessoal, câmbio para viagem e seguros - atrelados à contratação de investimentos.
"É comum que clientes saquem recursos de suas contas de investimento e transfiram para outros bancos apenas para pagar contas. Com a conta digital, isso não será mais necessário", diz Cristiano Ayres, co-CEO do Banco Modal. A conta digital da Modalmais funciona desde fevereiro em modelo piloto, para um grupo controlado de clientes, com o objetivo de testar a integração de sistemas com a plataforma da corretora. Atualmente, são 60 mil contas ativas, além de 250 mil cadastros. "A ideia é que até o final de junho possamos abrir para o público em geral", projeta Rodrigo Puga, CEO da Modalmais. A meta é fechar o ano com 500 mil contas.
Com a transformação de sua corretora em um banco digital, o Modal, banco de investimentos fundado em 1996, busca penetrar no ainda concentrado segmento de varejo. Para Ricardo Rochman, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP), bancos médios e fintechs se apoiam em tecnologias cada vez mais baratas e acessíveis para ter acesso a um público antes quase inatingível. "Há alguns anos, para chegar ao público de varejo, era preciso abrir agências, o que é muito caro e uma tarefa restrita somente aos grandes bancos. Isso começa a mudar."
A estratégia é deliberadamente assumida pelo Banco Inter, um dos pioneiros entre os bancos digitais no Brasil - a conta digital existe desde abril de 2015. "Concluímos que, ou teríamos um banco de varejo, para conseguir funding mais barato e pulverizado, ou não teríamos perenidade no negócio. Como abrir agências é inviável, a solução é ser 100% digital", diz o presidente do Banco Inter, João Vitor Menin.
O crescimento da base é acelerado. Atraídos por uma conta corrente full service e sem cobrança de taxas ou anuidade no cartão de crédito, os correntistas digitais passaram de 80,4 mil, no fim de 2016, para 535,5 mil, em março de 2018.
A meta, anunciada antes do IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês), em 27 de abril, é atingir um milhão de contas digitais ativas até o fim do ano. Mas o número começa a ficar conservador, diz Menin. Hoje, 70% da base de clientes é do público millennial, na faixa etária entre 18 e 36 anos. "Mas já cresce a fatia daqueles que deixam os bancos tradicionais, insatisfeitos com as altas tarifas bancárias, e migram para cá", diz. Conforme a pesquisa da Cantarino Brasileiro, 59% dos usuários de bancos digitais no Brasil têm menos de 29 anos e apenas 7% têm mais de 50 anos.
Os grandes bancos também armam suas estratégias para capturar os clientes digitais. A Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2018 mostra que, no ano passado, 1,6 milhão de contas digitais foram abertas por meio de smartphones, ante as 591 mil de 2016, um crescimento de 171%. Os dados levam em conta as informações divulgadas por oito instituições financeiras, incluindo quatro grandes bancos. Essas instituições se beneficiaram da resolução 4.480/2016, do Banco Central, que permitiu a abertura e o encerramento de contas por meios eletrônicos, sem a necessidade da burocracia de visitas a uma agência.
No caso da Conta Fácil Digital BB, do Banco do Brasil, são 1,7 milhão de correntistas desde novembro de 2016. A expectativa é ter três milhões de correntistas digitais até o fim do ano. Em junho de 2017 o Bradesco anunciou a criação do Next, seu banco digital com foco na geração millennial. Atualmente, são 120 mil clientes ativos, com a perspectiva de encerrar o ano em 500 mil. "O Bradesco não substituirá todas as operações pelo Next. Mas é uma maneira de o banco se aproximar das novas gerações", diz Rochman, da FGV.