Inegavelmente, a aplicação de leis anticorrupção vem crescendo em toda a América Latina. No Brasil, desde que a Operação Lava-Jato ganhou mais visibilidade, em 2014, a tendência ganhou ainda mais força. Mas essa é apenas uma das várias movimentações regulatórias envolvendo entidades estatais, empresas privadas, políticos, lobistas e outros intermediários acusados de irregularidades em vários setores.
Para além das operações policiais orquestradas em todo o país e da queda constante do índice de percepção de corrupção apontado pela Transparência International, vemos uma revolução silenciosa em um número crescente de empresas, tanto privadas quanto públicas. O combate à corrupção vem conquistando espaço entre as prioridades das organizações brasileiras. É cada vez mais comum ver assuntos ligados a conformidade pautar reuniões de conselho, bem como a implantação de programas para a prevenção, detecção e correção de riscos de fraude.
Nessa vigilância permanente, novas ferramentas que se utilizam de big data e inteligência artificial têm o poder de aumentar significativamente a precisão, velocidade e eficiência de programas de conformidade; e estão revolucionando as estratégias de combate à corrupção e fraudes corporativas.
Essas tecnologias já são usadas há anos pelas principais empresas do Vale do Silício e instituições financeiras, mas a (até então) falta de um forte argumento de negócios para adotá-las fez com que o uso de tecnologia aplicada à função de conformidade e de outras áreas que não geram lucros diretos ficasse em segundo plano. Entretanto, a percepção sobre a correlação do compliance com a prevenção de perdas financeiras mudou e o Brasil hoje é um terreno fértil para a adoção dessas tecnologias para fins relacionados à conformidade.
Em primeiro lugar, a maioria das empresas do país está começando seus programas do zero e pode adotar as tecnologias mais recentes sem comprometer processos e sistemas existentes - é como saltar do fax diretamente para transmissões de dados por 5G. Depois, a cultura brasileira está bastante familiarizada com a internet e as redes sociais, criando um ambiente propício para o crescimento de novas tecnologias. Por fim, com uma das burocracias mais morosas do mundo, os brasileiros se tornaram criativos no uso de soluções inteligentes para superar vários dos obstáculos relatados.
Com o aumento da eficácia e a queda dos custos dessas soluções, a adoção delas se tornou mais acessível até para empresas em contenção de gastos. Paralelamente a isso, os fiscais anticorrupção estão em processo de aprendizado e cada vez mais receptivos a soluções de conformidade aprimoradas com tecnologia e análise de dados.
No mundo de hoje, quase tudo está no digital; e corrupção ou fraude não ficam foram disso. Subornos envolvem dinheiro e dinheiro deixa rastros. Além do mais, tudo tem vida longa na internet. As transações financeiras e comunicações com empregados dentro de uma empresa, por exemplo, são registradas em diversos ambientes digitais, como bases de dados, servidores, telefones, nuvens - a lista é longa, mas o fato é que as informações podem sempre ser encontradas e analisadas.
Dessa maneira, é possível capturar grandes conjuntos de informações disponíveis para a organização, como dados financeiros, e-mails, aplicativos de bate-papo, bancos de dados de RH, registros em redes sociais e de mídia e analisar os dados para identificar e correlacionar áreas potencialmente problemáticas ou situações de risco, permitindo assim certo nível de previsibilidade no combate à fraude e corrupção corporativa.
Esses modelos de dados e algoritmos podem ser customizados pelas empresas e sinalizar quaisquer padrões, tendências e valores suspeitos para avaliação humana, antecipando possíveis riscos antes que eles se concretizem. A inteligência artificial pode aprender automaticamente a partir de situações anteriores de suborno e fraude e buscar dados com características semelhantes. A questão não é mais simplesmente como encontrar a agulha no palheiro, mas automatizar e aumentar a eficiência da busca por outras agulhas com características semelhantes.
Com os dados de uma primeira operação fraudulenta em mãos, a área de conformidade pode usar o conhecimento de pontos fracos existentes e, possivelmente, prever como alguém poderia se beneficiar dessas lacunas. Um investigador pode definir o perfil de transações de risco e usar Inteligência Artificial para verificar os dados em busca de registros semelhantes.
Outros exemplos são o uso de informações de sistemas de contabilidade e e-mail para mapear comunicações com terceiros e donos de empresas de fachada, ou dados de localização de celulares para identificar se funcionários estiveram próximos de possíveis pontos de encontro de membros de cartéis envolvidos em condutas anticompetitivas, como licitações fraudulentas. Além disso, equipamentos de monitoramento de computadores corporativos podem detectar situações em que os funcionários acessam sites suspeitos e podem ser programados para detectar padrões de digitação e fazer capturas de tela.
Em todos os casos, uma solução habilitada por tecnologia oferecerá mais produtividade, precisão, objetividade e velocidade de análise, além de priorizar medidas de mitigação e remediação e permitir que recursos de pessoal qualificados e finitos se concentrem em tarefas de nível superior. Estamos a muitos anos do uso de inteligência artificial em grande escala, mas o nível de sofisticação tecnológica já mudou e o argumento de negócios é sólido o suficiente para que, da próxima vez que um executivo se comprometer a combater a corrupção, a tecnologia seja uma ferramenta poderosa para ajudá-lo a cumprir esse objetivo.