Apesar da demanda por especialistas no sistema brasileiro de saúde, 22,9 mil vagas autorizadas para residência médica no País – o equivalente a 40% do total – não estão preenchidas. Em 2017, foram ocupadas apenas 16.499 vagas. Além disso, somente cinco especialidades – clínica médica, pediatria, ginecologia e obstetrícia, cirurgia geral e anestesiologia – concentram quase metade do total de residentes. Essas são as conclusões de um levantamento realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), com o apoio do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.
Intitulado Demografia Médica e coordenado pelo professor Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da USP, o levantamento também mostra outra contradição na formação dos médicos brasileiros. Apesar do alto número de vagas não preenchidas para o 1.° ano de residência médica, os processos seletivos continuam sendo tão disputados quanto os vestibulares para os cursos de medicina – a ponto de estar crescendo a procura por cursinhos preparatórios para provas para residência.
Vários fatores explicam a contradição entre disputas acirradas e alta ociosidade na residência médica. Entre as principais reclamações dos residentes destacam-se a falta de qualidade de alguns cursos e a falta de empenho dos tutores, os profissionais encarregados de orientar os residentes durante a formação, muitos dos quais nada recebem para executar essa tarefa.
Entre os demais fatores destacam-se, também, a escassez de recursos para o pagamento das bolsas dos residentes, o excesso de horas das atividades que têm de cumprir e o desestímulo acadêmico e financeiro. “Residente é mão de obra barata. Em muitos programas ele é chamado para trabalhar muito e aprender pouco. Muitos se frustram quando têm de enfrentar o dia a dia. Quando percebem que a residência não é boa, eles desistem. Depois de horas de estudo, querem ensino de qualidade e voltam a estudar para encontrar um lugar melhor”, disse em entrevista ao Estado o presidente da Associação Nacional dos Médicos Residentes, Juracy Barbosa, que acaba de concluir a residência em ortopedia e traumatologia.
Outro fator responsável pela contradição entre disputas acirradas e alto número de vagas ociosas foi a expansão das residências pelo programa Mais Médicos, lançado pelo governo federal em 2013 e que abrangia ações dos Ministérios da Saúde e da Educação, com a promessa de melhorar o atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde e suprir a carência de médicos no interior do País. A ideia era dar prioridade à instalação de residências médicas nas regiões carentes de formação profissional. No entanto, a iniciativa pecou por sérios problemas de concepção e de implementação, a exemplo do que ocorreu com vários outros programas lançados durante a gestão da presidente Dilma Rousseff.
Em primeiro lugar, as novas escolas de medicina e de residência criadas pelo Mais Médicos foram, em sua maioria, instaladas em locais distantes de centros especializados em práticas médicas com tecnologia de ponta. Também ficaram sediadas em cidades onde não havia boas condições de trabalho para os residentes. Além disso, o programa Mais Médicos ampliou a oferta de vagas da chamada Medicina de Família e Comunidade, quando os candidatos à residência médica queriam concentrar sua formação em áreas mais especializadas. Assim, esses dois programas despertaram pouco interesse dos candidatos. Não é por acaso que a residência de Família e Comunidade é responsável por quase 20% de todas as vagas não preenchidas.
“Vagas ociosas na residência médica representam desperdício de recursos escassos”, lembra o coordenador do levantamento, depois de afirmar que a formação rigorosa de mais médicos especialistas é essencial para melhorar a qualidade do sistema de saúde do País. No que tem toda razão.