Entidades que defendem direitos dos pacientes com doenças raras acusam o Ministério da Saúde de descumprir decisões judiciais que asseguram o acesso a medicamentos; de não liberar produtos já comprados; e de comprar medicamentos de empresas sem habilitação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ferindo a legislação. As denúncias foram feitas em audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família nesta terça-feira (24).
O debate foi proposto pelo deputado Sergio Vidigal (PDT-ES). Ao justificar a audiência, ele afirmou que uma licitação para importação de medicamentos usados no tratamento de algumas doenças raras provocou uma disputa entre o Ministério da Saúde e a Anvisa. Nesta licitação, foi selecionada uma distribuidora de medicamentos sem habilitação na agência. O caso foi parar na Justiça, e a Anvisa foi obrigada a emitir uma autorização excepcional para a aquisição dos medicamentos, em 19 de março.
Porém, segundo a presidente da Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves, Maria Cecília de Oliveira, a empresa vencedora da licitação até hoje não entregou a medicação. Ainda conforme ela, há hoje um grande retrocesso para os pacientes com doenças raras. “Milhares de decisões judiciais não estão sendo cumpridas”, disse. “Pacientes estão há oito, nove meses sem medicação”, citou. “É fácil fazer economia sem entregar medicamento a pacientes”, completou. Desde outubro, a associação registra 16 mortes de pacientes com doenças raras.
O diretor-presidente da Associação Maria Vitória de Doenças Raras e Crônicas, Rodrigo Araújo, acusou “um núcleo do ministério” de barrar o acesso dos pacientes aos medicamentos e também de descumprir as medidas do Judiciário. “O paciente na ponta não tem recebido o tratamento”, atestou.
“Onde estão os medicamentos que foram comprados pelo Ministério da Saúde? Por que até hoje não vimos o produto chegar?”, questionou a presidente do Instituto Vidas Raras, Regina Próspero. Ela afirmou ainda que a segurança do paciente está em jogo quando ganha a licitação uma empresa que não atende todos critérios para vender o medicamento. Segundo ela, os pacientes vivem o dilema entre tomar medicamento sem eficácia comprovada e ficar sem o remédio.
Política do menor preço
Coordenador da aquisição de medicamentos por demandas judiciais no Ministério da Saúde há cerca de dois meses, Thiago Fernandes da Costa informou que a política de aquisição hoje é pelo menor preço. “O registro pelos grandes fabricantes acaba gerando monopólio no mercado brasileiro e a gente tem recebido várias cotações de outros fabricantes, por preços inferiores”, disse. De acordo com Thiago, a gestão dele está tomando providências para apurar a não entrega de medicamentos pelas empresas vencedoras da licitação, que já teriam sido oficiadas do atraso e poderão ser penalizadas.
O diretor-adjunto de Gestão Institucional da Anvisa, Pedro Ivo Ramalho, explicou que o assunto é regulamentado pela Agência por meio do Resolução 205/17, que definiu procedimentos mais acelerados para o registro de medicamentos para doenças raras. Conforme ele, o tempo de registro desses medicamentos no Brasil é de no máximo 120 dias – tempo muito semelhante aos praticados por entidades reguladoras de países da Europa e dos Estados Unidos.
Segundo Ramalho, a anuência da Anvisa garante a procedência, qualidade e eficácia dos medicamentos. Ele citou a Lei 6.360/76, que trata da vigilância sanitária de medicamentos, a qual só permite a fabricação e importação de medicamentos por empresas autorizadas pelo órgão regulador.
Risco à saúde
A diretora-jurídica da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma, entidade que representa metade do mercado de medicamentos no Brasil), Tatiane Schofield, afirmou que as regras da Anvisa devem valer para todos. “Não basta buscar o melhor preço; não se pode dispensar o cumprimento das regras sanitárias”, disse. “Desrespeitar essas regras significa colocar em risco a saúde da população”, acrescentou.