O maior grupo de farmácias do país, a Raia Drogasil é uma das poucas varejistas que não foram atingidas pela crise no consumo. Desde 2015, quando a recessão instalou-se no país, até o fim de 2017, a receita e o lucro cresceram cerca de 50%. No fim do ano passado, a rede valia R$ 30,3 bilhões, mais do que operações como Lojas Americanas ou o Grupo Pão de Açúcar. Desde janeiro esse cenário mudou e o grupo RD, como é chamado, perdeu R$ 7,8 bilhões em valor de mercado, ou um quarto do apurado no fim de 2017. O Ibovespa subiu 12% no período.
Um sinal amarelo foi acionado após a divulgação de números do quarto trimestre de 2017, em fevereiro, quando especialistas começaram a buscar as razões para as vendas de lojas maduras e a margem bruta não estarem indo tão bem quanto antes. Um dos pontos que passaram a ser mencionados nos relatórios dos analistas é a "canibalização", quando lojas novas "tomam" vendas das antigas.
"Há dois fatores que pesam hoje. A concorrência piorou muito na praça principal deles, o Sudeste. Não é nada sutil, é muito claro. Começou de um ano e meio a dois anos para cá. Tivemos Extrafarma entrando na região, a Panvel chegou, e a Drogaria São Paulo ficou mais agressiva. Além disso, eles entraram em mercados novos e isso afeta rentabilidade. É uma empresa bem estruturada, eles erram pouco, mas há hoje variáveis novas pesando", diz uma fonte próxima ao conselho de administração.
Foi a recente entrada em novos mercados, como o Nordeste, que ajudou a elevar a participação da empresa nas vendas do setor em 2017. No Nordeste, o grupo ganhou um ponto, para 5,7% no fim de 2017. No Sudeste, o ganho foi de 0,3 ponto, para 8%.
Especialistas ouvidos explicam que além do acirramento da disputa no setor, há o movimento de desaceleração nos reajustes de medicamentos, como reflexo da queda da inflação após 2016. Aumentos nas tabelas historicamente ajudam a "turbinar" receita e margens. Em 2016, esse reajuste foi de 12,5%, atingiu até 4,76% em 2017 e, neste ano, será de até 2,38%, a menor taxa em 11 anos.
Para efeito de comparação, a expansão da receita consolidada da empresa foi de 20,5% no quarto trimestre de 2014; de 21% um ano depois; 24,5% em 2016; e 14,2% no mesmo período de 2017. O comando do grupo já tem alertado o mercado para esse novo ritmo de crescimento há trimestres, e dito que tem reforçado o trabalho de redução de despesas para equilibrar a desaceleração em receita.
"A trégua nas despesas operacionais, que consideramos impressionante [queda de 13% em 2017], apesar do rápido ritmo de abertura das lojas [foram 210 inaugurações], compensaram o morno crescimento da receita no quarto trimestre", escreveu Guilherme Assis, do Brasil Plural.
No entendimento de Assis, embora seja esperada uma margem bruta estável em 2018 (ficou em 28,8% no quarto trimestre de 2017, queda de 0,8 ponto) a margem que mede lucro operacional deve subir, impulsionada pelo controle mais rigoroso das despesas.
Segundo ele, houve uma desaceleração nas vendas em lojas maduras - o crescimento foi só de 0,8% no quarto trimestre e de 8,1% um ano antes - também por conta de feriados adicionais em dezembro. Mas essa desaceleração aumenta o risco de que o índice vire para uma taxa negativa, diz.
Em relatório neste mês, o Credit Suisse afirma que não vê mudanças na "história da empresa", com fundamentos sólidos e historicamente "superando" expectativas - um discurso unânime entre os especialistas. Mas a menor inflação, aumento da concorrência e "canibalização" de lojas, acrescenta o banco, vai tornar mais difícil manter as margens em expansão.
"Desde o segundo trimestre de 2017, as vendas "mesmas lojas" [pontos em operação há mais de 12 meses] estão desacelerando abruptamente e acredito que será redefinida uma base de vendas mais baixa por algum tempo [...] Acreditamos que será mais difícil manter as margens em expansão", afirma a equipe do Credit Suisse, liderada por Tobias Stingelin. "Estamos cortando nossas estimativas de ganhos de 2018 e 2019 em 13% e 12%, respectivamente, e estão agora bem abaixo do consenso".
O banco rebaixou a recomendação da ação de compra para venda e o preço-alvo de R$ 80 para 68.
Estudo do UBS de março sobre o setor de farmácias mostra que, entre as maiores cadeias, o grupo RD tem a maior taxa da canibalização, que mede o número de lojas de uma mesma empresa que estão a cinco minutos uma da outra. No grupo RD, a taxa é de 85,1%, contra 80,1% da Panvel, 77,7% para Drogaria São Paulo Pacheco e 75,9% para a Extrafarma. "Como a RD está concentrado no Estado de São Paulo, enfrenta risco de canibalização maior do que seus concorrentes, especialmente do que DPSP e Pague Menos. A expansão nacional pode permitir que a RD diversifique esse risco", escreveu Gustavo Oliveira, analista do UBS.
O analista lembra um fator que continua a ser destacado pelo mercado: a resiliência da empresa e do negócio, além da capacidade de execução dos administradores.
Em nota enviada ao Valor, o grupo afirmou que o momento atual reflete "flutuações de curto prazo" no preço das ações. "Tanto para cima como para baixo, [essas flutuações] são absolutamente normais." A empresa não concedeu entrevista. Mas na nota, afirma que "o foco da nossa companhia é sempre o longo prazo".
"Operamos em um mercado que sempre foi extremamente competitivo, no qual existem cerca de 80 mil drogarias, incluindo concorrentes de grande qualidade, mas a força das nossas marcas, o comprometimento da nossa equipe, a qualidade dos nossos pontos e o padrão da nossa operação vêm nos permitido crescer e criar valor". Com cerca de 1,6 mil lojas, o grupo teve vendas líquidas de R$ 13,2 bilhões em 2017.
Para a empresa, "o varejo farmacêutico continuará crescendo a taxas expressivas por mais de uma década em função do envelhecimento da população", afirmou. "Por ser mercado fragmentado, no qual temos uma participação de apenas 12%, ele também nos oferece uma significativa oportunidade de consolidação". O grupo RD planeja inaugurar 240 lojas por ano em 2018 e em 2019.