A velocidade do retorno dos investimentos está incentivando a adoção da internet das coisas (IoT) em diferentes setores no Brasil. Graças a resultados em aumento de qualidade, produtividade, redução de custos e novos serviços, os casos de uso se multiplicam e começam a ir além de testes e pilotos.
Na ArcelorMittal, sensores ajudam a prever propriedades de chapas de aço de 11 km de comprimento com precisão de 99%. Câmeras de vídeo alimentam computadores para interromper o processo de laminação, caso surjam defeitos na superfície do material produzido, ou sustar o vazamento do aço líquido na aciaria quando aparecem partículas de escória, descreve o gerente de pesquisa e desenvolvimento para a América do Sul da siderúrgica, Charles de Abreu Martins.
Na construção civil, empresas como Even, Cyrella e Tegra empregam solução de controle de acesso com módulo inteligente para catracas, que é integrado ao sistema com dados da documentação fiscal e legal de fornecedores e colaboradores, 90% deles terceirizados, segundo informa Ana Cecilia Ribeiro, fundadora da fornecedora do sistema, a Autodoc.
A IDC calcula que a IoT movimente US$ 8 bilhões no Brasil este ano, podendo chegar a US$ 13 bilhões em 2020. Os valores consideram o ambiente completo, de conectividade em diversos padrões a análises complexas. Segundo o gerente de consultoria e pesquisa da IDC, Pietro Delai, entre 55 casos de uso, só sete não crescerão acima de dois dígitos nesse período, como as redes inteligentes para o segmento de distribuição de gás. Mas nenhum deles avançará menos de 6% ao ano.
Automóveis conectados de fábrica, com agregação de novos serviços, frotas monitoradas e automação industrial estão entre os segmentos com maiores valores investidos. Em dispositivos conectados, destacam-se eletrônicos de consumo e meios de pagamento, com 9 milhões de chips, segundo Andy Castonguay, diretor de pesquisas do Gartner. Outra área com boas perspectivas é a de utilities, com apoio de iniciativas como a cobrança de tarifa branca, com valores menores em períodos de baixo consumo graças a medidores inteligentes.
A multiplicidade de ações ao longo do ano eleitoral também deve favorecer o setor. Em março, além da oficialização da Estratégia Nacional de Transformação Digital (E-Digital), o governo federal anunciou a Agenda Brasileira para a Indústria 4.0. Em abril, será a vez do decreto estabelecendo o Plano Nacional de IoT (PNIoT).
As medidas rendem mecanismos de financiamento que beneficiam a adoção do conceito. A E-Digital coloca a IoT como um dos três eixos temáticos para a transformação digital da economia e como foco de pelo menos seis das cem ações estratégicas previstas. Entre elas, a própria aprovação do PNIoT e a implantação de plataformas de testes para fornecedores do setor nas verticais prioritárias (saúde, agropecuária, cidades e indústria); a promoção de ambiente normativo e de negócios para atração de novos investimentos e o incentivo à adoção de soluções por meio de compras governamentais.
A agenda 4.0, por sua vez, considera a IoT uma das cinco principais tecnologias para o modelo e quer 18% das empresas do país no nível 4.0 em até 20 anos, com apoio de financiamentos do BNDES, com R$ 5 bilhões, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em torno de R$ 8 bilhões, e do Banco da Amazônia, com R$ 1,1 bilhão.
Linhas específicas de estímulo à IoT também foram anunciadas este mês e aguardam a formalização do PNIoT, conjunto de 80 ações encabeçado pelo BNDES em conjunto com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC). "É um exemplo único no mundo. Em geral os países deixam novidades e investimentos para o mercado", diz Castonguay, do Gartner.
"O plano é uma forma de orientação. IoT é muito abrangente", diz Flávio Maeda, presidente da Associação Brasileira de Internet das Coisas (Abinc), que participou de sua elaboração.
O BNDES anunciou uma linha de financiamentos para a iniciativa privada, inicialmente voltada a dispositivos de saúde, e outra, não reembolsável com piso de R$ 1 milhão e contrapartida de 50%, para pilotos de IoT encabeçados por Institutos de Ciências e Tecnologia (ICTs), com fornecedores, demandantes e avaliadores em aplicações reais. "A previsão é abrir chamada de seleção em abril", diz o líder da área de IoT do banco, Carlos Azen.
Também está em pauta o apoio a startups, com iniciativas como o Fundo de Coinvestimento Anjo, com R$ 100 milhões para quem fatura até R$ 1 milhão anual. A BNDESPar já apoia casos de empresa de IoT com recursos que vão dos Criatec, fundos de participação em pequenas e médias empresas inovadoras - com pelo menos seis investidas especializadas -, ao Inseed FIMA, criado em 2012 com recursos de fundos de pensão, familiares e pessoas físicas e com aporte em empresas como a Viridis, voltada a gestão de energia e utilities.
A Finep promoveu no ano passado a primeira chamada do Finep Startup, criado em 2015. A IoT foi destaque: das 503 propostas inscritas, 135 (26,8%) atuam no ramo e cinco ficaram entre as 25 selecionadas para receber R$ 1 milhão cada. Na segunda chamada, entre as 76 pré-selecionadas, dez atuam diretamente em IoT.
"Cidades e saúde exigem mais orquestração governamental e este ano ainda vamos ver muitos pilotos nas empresas, e alguns já passando para a prática", diz Márcia Ogawa, responsável pela área de tecnologia, mídia e telecomunicações da Deloitte. Segundo ela, mesmo multinacionais trazem mais projetos para o país devido a desafios locais como custo de energia, eficiência logística e minimização de fraudes.
Marcas como Thyssenkrupp e Embraco investem em pilotos locais. A primeira está testando uso de dados recolhidos em tempo real de elevadores conectados para diagnóstico e previsão de falhas, já empregado em mais de 120 mil veículos no mundo, segundo informa o vice-presidente de serviços para o Brasil e América Latina, Paulo Manfroi.
Marcas de bebidas e alimentos testam o Diili, da Embraco, aplicativo baseado em sensoriamento e análise de geladeiras comerciais para gestão de equipamentos, estoque e consumo, segundo o vice-presidente de P&D e novos negócios, Eduardo Andrade.
Estamos no início da curva de adoção, com nem 3% do potencial do mercado", diz João Pissuto, sócio em consultoria digital da EY, cujas projeções de crescimento para IoT no Brasil passam de 20% ao ano.