Quase 25% da população brasileira consome medicamentos da Farmácia Popular. Milhões de brasileiros são atendidos pelo programa, criado para cumprir uma das principais diretrizes da Política Nacional de Assistência Farmacêutica: dar acesso à população, que, utilizando ou não o Sistema Único de Saúde (SUS), teria direito a medicamentos considerados essenciais. O objetivo é diminuir o impacto causado pelos gastos com medicamentos no orçamento familiar.
O programa teve início em 2004, com farmácias públicas de distribuição de medicamentos distribuídos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Esse modelo chegou a ter mais de 500 unidades. No início, o programa desenvolvia parceria com as prefeituras municipais que recebiam uma verba do Ministério da Saúde para montar a estrutura física da farmácia e contratar funcionários.
A partir de 2006, o Programa se expandiu para o setor privado, com o nome de Aqui Tem Farmácia Popular, por meio de parcerias com os estabelecimentos, sem a participação da Fiocruz. As farmácias particulares distribuíam de forma subsidiada ou gratuita o medicamento para oito doenças crônicas. No ano de 2011, passaram a ser contemplados também produtos gratuitos para diabetes e hipertensão.
No ano passado, o governo anunciou que deixaria de repassar verbas para a modalidade das farmácias públicas, o que foi um sinal da instabilidade a que está sujeita a política para esse setor, atualmente regido por decreto presidencial. Esse tipo de norma pode ser substituída pela decisão unilateral do ocupante do cargo. Para garantir a continuidade da distribuição de medicamentos, tanto por meio de convênios entre órgãos do setor público, quanto pela rede privada de farmácias, tramita no Senado o projeto PLS 661/2015, do senador Raimundo Lira (PMDB-PB).
— Interromper o tratamento pode ser mais oneroso para o Estado, pois essas pessoas que poderiam manter a saúde estável teriam que comparecer mais aos hospitais, gerando mais filas e custos — explica o autor.
A interrupção do repasse de verbas para a modalidade das farmácias públicas foi tomada após o governo constatar que os gastos com a compra de medicamentos representavam apenas 20% do orçamento das farmácias próprias (públicas). O restante, 80% do orçamento, era gasto na manutenção desses estabelecimentos.
— O reajuste dos valores permitiu que fossem reaplicados R$ 80 milhões em medicamentos, ao invés dos R$ 20 milhões antes investidos. Os pacientes continuam recebendo medicamentos pela atenção básica dos municípios e no Aqui Tem Farmácia Popular, disse Cleonice Lisbete Gama, coordenadora do programa no Ministério da Saúde.
Indagado sobre as divergências em relação aos custos do programa, o senador disse que as regras da aquisição dos medicamentos poderão ser alteradas pelo governo para reduzir custos de manutenção, mas o programa não.
— Quando apresentei esse projeto, o Brasil estava no auge de uma crise, e não podemos permitir que incertezas econômicas e políticas coloquem o Programa Farmácia Popular em risco, que atualmente é instituído e regulado por meio de decretos e portarias, que podem ser modificados ou revogados pelo Poder Executivo a qualquer tempo, mesmo sem a anuência do Congresso Nacional — observou o senador.
Por meio do Aqui tem Farmácia Popular, a população pode adquirir 14 medicamentos para hipertensão, diabetes e asma, sem custo. Além disso, são ofertados descontos de até 90% em dez medicamentos para rinite, dislipidemia, mal de Parkinson, osteoporose e glaucoma. Nos contraceptivos e fraldas geriátricas também há descontos de até 90%.
Em média, 10 milhões de pacientes retiram por mês medicamentos na rede Aqui Tem Farmácia Popular, que hoje conta com mais de 35 mil unidades credenciadas e está presente em aproximadamente 80% dos municípios.
— Posso afirmar que o Farmácia Popular é um programa consolidado. A prova disso é o incremento de 10% no orçamento do programa em uma época de crise como a que estamos vivendo — observou Cleonice.
No programa são atendidos, principalmente, brasileiros com 60 anos ou mais, que representam quatro milhões do total. A maior parte dos pacientes acessa medicamentos de forma gratuita. Os medicamentos mais retirados são para tratamento de hipertensão e diabetes.
O aposentado Jose Eliziário Araújo de Sousa é um dos beneficiados do programa. Ele e a esposa Conceição Sousa utilizam o programa para as doenças de Parkinson e diabetes.
— Se não tivéssemos o Farmácia Popular, não teríamos como dar continuidade aos nossos tratamentos. Comprar os medicamentos mensalmente afetaria nossa renda familiar — relata o aposentado.
Impasses
Ao custo de quase R$ 3 bilhões, o programa Aqui Tem Farmácia Popular tornou-se a maior política de assistência farmacêutica do governo federal, superando, inclusive, a soma dos investimentos nas farmácias básicas do SUS.
Na opinião do professor Augusto Guerra, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), oferecer recursos para medicamentos na rede pública e privada torna a distribuição ineficiente. Num futuro próximo poderia inclusive gerar escassez.
— Precisamos escolher qual o melhor modelo de financiamento, se por rede pública ou privada. Precisamos fazer escolhas racionais, fazendo avaliações com base na nossa disponibilidade recursos — pondera o professor.
Para o representante do Conselho Federal de Farmácia, Francisco Batista Junior, o SUS já prevê a distribuição gratuita de medicamentos, sendo necessário avaliar o programa na rede privada. Na opinião dele, compras feitas em larga escala asseguram preços mais baixos e permitem a transparência da licitação, além do fortalecimento do sistema público, onde a assistência tem de ser enfatizada. Para Batista, os argumentos no sentido de que o programa Aqui Tem Farmácia Popular representa economia de gastos com logística e distribuição de medicamentos não convencem.
— O programa cumpre seu papel de garantir à população acesso aos medicamentos, mas é efetuado de forma dispendiosa. O que devemos nos perguntar é se o programa está sendo executado da forma mais adequada.