Quando lidera projetos de gestão da mudança com clientes da Accenture Strategy , braço de consultoria da empresa, a diretora executiva da área de talentos e organização, Patricia Feliciano, tem uma ajuda constante. Um algoritmo avançado que usa os dados dos clientes para gerar e testar hipóteses, recomendações e o melhor ritmo para as mudanças. Por meio de respostas coletadas com 44 perguntas feitas aos funcionários, o resultado que a máquina entrega lembra um mapa, dando notas a temas como a eficiência dos gestores, a disponibilidade de recursos e até a energia dos funcionários, que varia da determinação ao medo.
O chamado "GPS da transformação" já fez 33 bilhões de cálculos para mais de 200 empresas ao longo dos últimos 15 anos em que foi usado pela Accenture no exterior. Adotada pelas equipes do Brasil há dois anos, a plataforma tem sido usada com frequência nos projetos da empresa, diz Patricia. "Antigamente se fazia muita coisa na base do 'achismo', hoje a gente acredita que a tecnologia deixa nosso trabalho com muito mais precisão", explica.
Muito associado à experiência acumulada ao longo da vida e às relações próximas com os executivos que recebem seus conselhos, o trabalho do consultor está passando pelo seu próprio processo de disrupção. Na medida em que as entregas para os clientes incluem, cada vez mais, processos de transformação digital e adoção de novas tecnologias, grandes consultorias já adotam ferramentas preditivas e inteligências artificiais para analisar dados, mudam sua forma de trabalhar para incluir o desenvolvimento de protótipos e encurtam o tempo até os resultados. Elas desenham, assim, mudanças que já marcam o perfil dos profissionais da área e que devem se tornar ainda mais acentuadas no futuro.
Na Accenture, a equipe de consultoria trabalha junto com profissionais da área de tecnologia e ciência de dados. Se antes os consultores demoravam de seis meses a um ano para entregar os resultados finais, hoje o processo de trabalho é formado por soluções mais pontuais, protótipos criados com base nas informações coletadas nos clientes que são testados, avaliados e melhorados constantemente. Para Patricia, uma das habilidades mais exigidas de consultores hoje é a capacidade de trabalhar em times multifuncionais e o conhecimento de tecnologia. "É preciso entender o que ela pode oferecer e conseguir discutir o processo à luz dela", diz.
Na PwC, o sócio Sérgio Alexandre diz que a empresa vem usando algoritmos para fazer predições e testar hipóteses desde 2015, mas o uso tem se intensificado na medida em que as ferramentas "aprendem" com o trabalho e se tornam mais assertivas. Companhias e universidades parceiras ajudaram no desenvolvimento das tecnologias. "Tomamos a decisão de que o foco da PwC é o conhecimento do negócio", diz Alexandre.
Os consultores têm recebido treinamentos mais amplos sobre tecnologias como inteligência artificial e blockchain, alguns em formatos de competições e jogos. Para Alexandre, a contribuição da inteligência artificial já enriqueceu o trabalho, mas não substitui a necessidade de formar equipes especialistas no negócio. "Ainda tem a questão da sensibilidade, aquele tino, que é a experiência do consultor mais sênior que entende da política do ambiente."
Mesmo assim, o perfil dos consultores tem mudado. No ano passado, a grande maioria dos trainees que entraram para a área de consultoria tinham formação em engenharia - inclusive os quatro que foram incorporados à equipe de consultoria em recursos humanos, no passado uma área dominada por psicólogos. "O perfil das pessoas que estão entrando é mais diferente e analítico", diz.
Na McKinsey, as equipes técnicas de áreas como engenharia de dados já somam mais de mil pessoas globalmente e 70 no Brasil, onde a empresa conta com cerca de 400 consultores. A área de consultoria de tecnologia e digital, que aconselha clientes em temas como transformação digital, foi a que mais cresceu nos últimos anos, segundo a sócia sênior do escritório de São Paulo, Marina Cigarini.
Ela diz que a tecnologia exige que as equipes sejam mais diversas, permite que elas tenham acesso a mais dados e garante 'insights' com mais rapidez - algoritmos são capazes de gerar milhares de hipóteses ao mesmo tempo, diz a consultora, que estima que mais de um quarto do trabalho hoje seja propiciado por ferramentas do tipo.
Há dois anos os consultores vem sendo treinados na área, com diferentes tipos de profundidade - alguns em grandes centros de ensino como o MIT. Eles recebem títulos de "tradutores" em tecnologia, para serem "capazes de navegar os dois mundos", diz Marina. "Não se espera que o consultor programe, mas que entenda como tudo funciona. Sobretudo o gerente de projeto, que vai sentar junto com cientistas de dados e trabalhar com eles", diz.
Um estudo global feito pela própria McKinsey estima que, em geral, 60% das funções poderão ter pelo menos 30% das suas tarefas automatizadas até 2030. Dentro da consultoria, Marina diz que as áreas dedicadas à pesquisa, que eram responsáveis pela obtenção de dados públicos de empresas e pela organização de relatórios, já foram substituídas por máquinas.
A líder de soluções cognitivas da área de consultoria da IBM, Patrícia Fusaro, explica que um grande avanço da inteligência artificial atualmente é conseguir reunir dados desestruturados no processo de obtenção de informações. Dados estruturados são aqueles que já estão organizados - por exemplo, informações preenchidas em um formulário, que podem ser tabuladas. Dados desestruturados são todos os outros, como textos corridos, imagens ou até postagens em redes sociais.
"Essa é a grande massa de informação que a gente tem à nossa disposição hoje e que é muito pouco usada pelas empresas para tirar inteligência", diz. Na opinião de Patrícia, tarefas relacionadas à busca de dados serão eventualmente substituídas por sistemas de inteligência artificial, pois a capacidade de correlação da máquina é maior que a humana. "O que ela não vai substituir é toda a recomendação final do consultor, que é baseada no pensamento crítico e na criatividade", afirma.
Consultor há 25 anos e sócio do grupo americano Cambridge Family Enterprise, especializado em empresas familiares, Nils Tarnow acha que, apesar da adoção de tecnologias, a consultoria continuará a ter um elemento humano forte. "O consultor de estratégia é uma pessoa de confiança, tem um relacionamento com o cliente. No trabalho com empresas familiares, você tem que entender toda a dinâmica da família", diz Tarnow.
Na PwC, o sócio Sérgio Alexandre conta que outra mudança recente aconteceu na maneira de trabalhar. Em 2016, um andar do prédio da empresa foi transformado em um "experience center", onde os executivos clientes trabalham com os consultores na avaliação do problema, usando ferramentas como o "design thinking".
Uma técnica que a consultoria adota às vezes está longe de exigir tecnologias de ponta. Envolve pedir que o cliente explique seu problema em no máximo dois minutos a um grupo de crianças munidas de placas de "positivo", "negativo" e uma repleta de pontos de interrogação. "Assim a gente tenta simplificar a mensagem e extrair o que é verdadeiramente importante para o cliente", explica Alexandre. "Isso o dado não traz."