Curso ainda é um dos mais concorridos em todo o país
Valor Econômico
15/07/2013

Curso ainda é um dos mais concorridos em todo o país

Por Letícia Arcoverde | De São Paulo
 
Daniel Wainstein/Valor / Daniel Wainstein/Valor
Fernanda Lins faz residência médica em ginecologia e obstetrícia e considera atuar na área de reprodução humana

 

O curso de medicina ainda é menina dos olhos para o vestibulando brasileiro, e costuma registrar a maior relação candidato/vaga dos processos seletivos das universidades públicas. Na Fuvest, 56,43 candidatos disputaram cada uma das 275 vagas abertas na Universidade de São Paulo (USP) em 2013. Em várias instituições, como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), a relação passa dos 100 candidatos por vaga.

No Sistema de Seleção Unificado (Sisu) do segundo semestre deste ano, que usa a nota do estudante no Enem para selecionar candidatos para cursos em instituições públicas, os de medicina ocuparam oito posições na lista dos dez mais concorridos - o primeiro deles é o da Universidade Federal Fluminense (UFF), com 15 mil inscritos para 90 vagas.

Com um currículo de quase 10 mil horas que inclui alta carga de trabalho de campo e dois anos de internato em hospitais, o curso de medicina da UFF busca, segundo o coordenador e professor José Antonio Monteiro, oferecer uma formação generalista. "A medicina necessita de vocação, pois é a profissão que mais demanda. São muitas provas, cobranças e plantões", diz o médico graduado pela UFF, especializado em cirurgia geral. Mesmo assim, o índice de desistência da faculdade é muito baixo, em razão da dificuldade para entrar no curso. "A conquista é tão grande que quem entra já está bem selecionado", ressalta.

A residência médica é o caminho tradicional do profissional após os seis anos de graduação. Consideradas áreas básicas, a cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia, clínica médica, pediatria e medicina da família ainda são as especialidades onde está concentrada a maioria das vagas, segundo o vice-presidente da Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR), Marcelo Barbisan de Souza.

 

 

Ele ressalta, no entanto, que a especialização em medicina da família tem perdido candidatos. São profissionais que atuam principalmente na atenção básica de saúde na rede pública. "Não existe estímulo para preencher essas vagas. Os concursos exigem apenas a formação em medicina", explica Barbisan. "Para quê fazer uma residência de três anos se depois seu salário será igual ao de alguém apenas com diploma de graduação?"

Embora haja 53 especialidades reconhecidas no Brasil, as áreas de pediatria, ginecologia e obstetrícia, cirurgia geral e clínica médica concentram quase 40% dos médicos, segundo dados da pesquisa Demografia Médica no Brasil, de 2013, do Conselho Federal de Medicina. Já a especialidade de medicina da família reúne 1,2% dos profissionais.

A área de anestesiologia vem em quinto lugar como especialidade com maior número de médicos. Barbisan considera essa uma das tendências na preferência dos médicos recém-formados, junto com cursos como dermatologia e otorrinolaringologia. Nesses casos, além da demanda do mercado, pesam na escolha também a busca por mais qualidade de vida.

Formada em medicina pela UFF no ano passado, a maranhense Fernanda Vieira Lins faz atualmente a residência médica em ginecologia e obstetrícia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A escolha veio com a identificação que sentiu pela especialidade ao longo da faculdade. "É um clima mais leve. Você acompanha os pacientes, tem uma relação mais estabelecida e participa de um momento importante da vida deles", diz. Embora ainda esteja decidindo o que fará depois dos três anos de residência - há a possibilidade, por exemplo, de se especializar ainda mais com uma segunda residência de mais dois ou três anos - Fernanda considera atuar na área de reprodução humana, que engloba tratamentos de fertilidade e inseminação artificial.

Os programas de residência que tradicionalmente são mais procurados por candidatos são os que fazem parte de hospitais universitários. Isso porque, geralmente, recebem alunos da própria faculdade de medicina e têm médicos mais capacitados a ensinar. Segundo Barbisan, uma das lutas da ANMR é conseguir que os médicos chamados "preceptores", que atuam como professores para os residentes, recebam um adicional salarial. Atualmente isso acontece apenas em hospitais universitários. "Será uma forma de atração. A maioria faz por amor, por querer ensinar."

Ainda assim, o grande problema dos programas é a falta de estrutura que a maioria dos hospitais públicos enfrenta. Fernanda, por exemplo, passou nas cinco provas de programas de residência que fez, quatro delas no Rio de Janeiro e uma em São Paulo. Acabou escolhendo a Unifesp porque achou a estrutura melhor que na capital carioca. "Além disso, aqui a residência é mais completa e proporciona acesso a diferentes áreas."

Barbisan diz que a ANMR recebe denúncias de residentes de todo o Brasil de falta de equipamentos, de pessoal e de um volume de trabalho muito grande. "Isso afasta o médico de ir trabalhar posteriormente em hospitais sucateados, onde nem ao menos conseguiu aprender", afirma.

Há residências médicas em hospitais públicos e privados e praticamente todos os programas pagam o mínimo definido pelo governo federal. O valor foi reajustado recentemente, passando de R$ 2.300 para R$ 2.900 mensais, para a jornada de 60 horas semanais - ou seja, pelo menos 12 horas diárias. Segundo Fernanda, os seis anos de faculdade não foram tão sacrificados em comparação com as exigências de trabalho na residência hoje. "Você vive em função do programa e não consegue fazer mais nada. Ao mesmo tempo, sabemos que essa fase é necessária para a formação médica. Por mais que a gente reclame, acaba aprendendo bastante", afirma.

 

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