Quem é médico no Brasil tem emprego garantido e salário alto. Essa afirmação, praticamente um senso comum, reflete apenas parte da verdade sobre essa profissão tão nobre e, aparentemente, incompreendida pelo governo - dada a insatisfação geral dos representantes da classe em relação às propostas mais recentes.
Ouvidos pelo Valor, eles fazem duas ressalvas importantes: trabalho sempre existe, mas nem sempre em condições adequadas e, para conseguir rendimentos expressivos, a maioria precisa cumprir uma jornada de até 60 horas semanais em três diferentes lugares. A média salarial de R$ 8.459 é a maior do país, segundo estudo recente divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
"Achar que a vida do médico é ficar sentado em uma clínica particular e cobrar R$ 700 ou mais por consulta é ilusão. Apenas uma parcela ínfima consegue fazer isso", afirma Mauro Luiz de Britto Ribeiro, membro do Conselho Federal de Medicina (CFM). Em sua opinião, não é o dinheiro que motiva quem entra nessa profissão. "É preciso gostar de gente, ter vocação e uma grande sensibilidade social para aguentar uma rotina extremamente sacrificante que começa já na faculdade."
Prova disso, para Ribeiro, é que muitos médicos recusam grandes somas em dinheiro para ocupar vagas fora dos grandes centros por não terem uma estrutura mínima de trabalho nem condições para continuar se atualizando. "A proporção de dois médicos para cada mil habitantes que existe no país já é suficiente. O problema é que eles estão mal distribuídos", afirma.
Uma saída, de acordo com Ribeiro, seria a criação de um plano de carreira nos moldes dos já existentes para juízes e promotores para, ao menos, quatro tipos de profissionais da área da saúde: clínico geral, pediatra, ginecologista e obstetra, e médicos para o programa de saúde da família - que atuam nas comunidades e na prevenção de doenças. "Isso resolveria 80% dos problemas", diz.
O que acontece hoje no Brasil, no entanto, é justamente o oposto. Segundo Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira (ABM), há uma superespecialização dos médicos no país. Áreas como radiologia, oftalmologia, otorrinolaringologia e dermatologia, por exemplo, têm sido muito procuradas principalmente pela maior remuneração e facilidade de absorção no mercado. "Afinal, embora não seja o principal motivador, o dinheiro é importante como em toda profissão."
Além disso, as relações de trabalho são bastante diversas e envolvem desde a atuação em empresas e convênios até cooperativas médicas e organizações sociais. "É possível encontrar todo tipo de contrato e acordo. Existem até os que vivem de plantão em plantão, sem firmar vínculos". Cardoso destaca que a maior recompensa da medicina, contudo, é intangível. "É uma profissão que tem um grande significado. É gratificante poder melhorar a vida das pessoas."
Cid Carvalhaes, dirigente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) ressalta que a medicina é um "projeto de longo prazo" - só a formação pode levar até 11 anos. Desse modo, os interessados na área não podem ser "mercenários" e precisam levar em conta o outro lado da moeda. "Dor, sofrimento, vômito, sangue, morte, consolação e miséria também vão fazer parte do seu dia a dia". Para quem, depois disso, ficou em dúvida sobre seguir a carreira médica, talvez seja melhor procurar por uma segunda opinião.
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