A medida anunciada pelo governo federal e que, se aprovada no Congresso, estenderá a duração do curso de medicina de seis para oito anos - com dois anos de trabalho do estudante na rede pública de saúde - aproxima os médicos brasileiros da área de saúde básica, que tem forte demanda a ser atendida no Brasil e que é tendência na saúde publica dos países desenvolvidos. Faltou diálogo, contudo, na definição e na apresentação das medidas à classe médica, na opinião de médicos e especialistas ouvidos pelo Valor.
Publicada ontem no Diário Oficial, a medida, que faz parte do Programa Mais Médicos, deve forçar a elevação dos gastos com profissionais e estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com Francisco Campos, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Quando mais tempo leva a formação de um profissional, maior precisa ser a remuneração. Hoje o SUS é subfinanciado. Se queremos mudar a saúde, temos que aumentar o gasto em relação ao PIB, que hoje é menor do que 10%. Não há país que não quebre seu sistema se não apostar na saúde básica", afirma.
O professor, contudo, crê que o maior tempo na saúde pública vai agregar qualidade à formação dos profissionais. "A vivência do médico melhora e deixa a saúde básica no foco da política de saúde pública. O que impera hoje é a lógica o hospital é que tem importância. As pessoas são tecnológico-dependentes, veem o médico de saúde básica como algo abaixo do especialista. Nos países nórdicos, por exemplo, a visão é contrária", diz Campos.
Claudio Lottemberg, ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo e presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, também vê a ampliação do foco à saúde básica como aspecto positivo do programa e diz que o debate curricular é benéfico, mas critica o caráter impositivo do anúncio. "A formação médica está voltada para a superespecialidade, o que é ruim. Mas, será que precisava de dois anos [de trabalho dos estudantes no SUS]? Será que um pouco menos não seria suficiente? De onde tiraram esse número? É uma visão única do governo", diz Lottemberg.
"Acho que tudo que eles estão colocando pode ser de bom propósito. Mas por que isso não está sendo debatido com as sociedades médicas? É verdade que há um clamor forte [das categorias médicas], mas isso não significa que se irá promulgar uma lei da noite para o dia", diz Lottemberg, que vê ainda "imediatismo" na "importação" de médicos.
Alexandre Munhoz, médico do corpo clínico do hospital Sírio Libanês, diz que a falta de diálogo com entidades de classe deixou o pacote com falhas, como a vinculação da grade curricular ao SUS. A medida, diz, deveria vir acompanhada de mais incentivo financeiro e melhoria da estrutura laboral. "Como vão fiscalizar e orientar os alunos que estiverem atuando no interior do Mato Grosso? ", exemplifica Munhoz.
A estrutura de orientação aos alunos também foi questionada pelo Conselho Federal de Medicina (FCM), que vê espaço para a ilegalidade. "Colocar o aluno para atender pacientes dessa forma, além de ser uma improvisação e exploração de mão de obra barata, configura exercício ilegal da medicina", diz Aloisio Tibiriça, vice-presidente do órgão.
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