Inteligência artificial supera médicos ao ver exames de imagem
23/02/2018
É possível que, em breve, o leitor possa ser atendido por um androide médico, tal qual no filme "Star Wars", ou ter seu tratamento decidido por um poderoso algoritmo na nuvem.

A “consulta” seria barata e rápida e estaria baseada em uma tecnologia que já deixou de ser embrionária --a inteligência artificial baseada em deep learning, uma espécie de aprendizado de programa de computador por conta própria.

Equipamentos médicos com finalidade diagnóstica já são vendidos com programas baseados em algoritmos que podem ajudar, por exemplo, um ortopedista a detectar alguma anormalidade em um raio-X ou e em outros exames de imagem, como aqueles que mapeiam a retina em busca de degenerações.

Foi justamente com exames como esses que cientistas dos EUA, China e Alemanha mostraram que a máquina --na verdade um programa de computador-- pode se igualar e até superar o homem quando o assunto é saber quem é doente e quem não é.

Um algoritmo desenvolvido pelos pesquisadores foi treinado com um gigantesco banco de imagens de exames --mais especificamente, tomografias de coerência óptica. Esse exame, que é realizado em poucos minutos, permite observar as diversas camadas da retina e identificar alterações causadas por doenças que podem causar perda de visão, como a degeneração macular relacionada à idade (DMRI), e outras provocadas pelo diabetes, como a retinopatia diabética ou o edema macular diabético.

De modo simplificado, o programa aprendeu, por conta própria, a “ler” alguns aspectos das imagens que julgou importantes para a definição do diagnóstico. Foi fundamental nesse processo a não interferência de um “raciocínio humano”, o que permitiu que o algoritmo encontrasse os melhores caminhos para chegar a um veredito sobre cada paciente. 

O resultado do treinamento com mais de 200 mil imagens foi surpreendente: o programa chegou a superar experts em retina na taxa de diagnósticos corretos, errando apenas 6,6% dos casos em um dos testes.

Segundo estimativas, ao menos 1 milhão de pessoas no Brasil, entre diabéticos e idosos, têm risco elevado de apresentar doenças degenerativas da retina.

Em muitos casos, porém, por causa da distância dos centros de diagnóstico e pela desinformação, essas pessoas podem perder a visão. Hoje em dia, muitas desses casos seriam tratáveis com injeções intraoculares mensais, por exemplo, explica o professor titular de oftalmologia da UFG Marcos Ávila, ex-presidente e membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).

Talvez a principal vantagem de ter uma inteligência artificial assinalando os diagnósticos é o custo do exame, que tende a cair. Provavelmente o paciente não precisaria mais passar por dois ou três especialistas até ter o diagnóstico final, argumentam os autores do estudo.

Na opinião de Rubens Belfort Jr., professor titular de oftalmologia da Unifesp, é notório também o ganho de qualidade. “Mesmo em países ricos a qualidade da análise nem sempre é boa, seja por despreparo, falta de tempo ou até mesmo por desleixo. Assim, com um processo mais inteligente, não só haveria redução de custos do exame e da interpretação mas também de tratamentos ineficazes ou desnecessários dessas doenças de retina ou de qualquer outra que possa ser diagnosticadas via exame de imagem, como tomografia, ressonância magnética e raio-X."

MÁQUINA X HOMEM

Paulo Schor, que também é professor de oftalmologia da Unifesp, lembra que já houve outros avanços importantes na área. Com uma simples imagem do fundo de olho, um outro programa consegue identificar inúmeros fatores de risco cardiovascular, como idade, se a pessoa fuma, se tem pressão arterial elevada e se a pessoa já sofreu algum evento cardiovascular grave. Tudo isso com razoável acurácia.

O professor afirma que é muito provável que cada vez mais as máquinas se encarreguem de selecionar aqueles que têm alguma chance de estarem doentes, deixando para os médicos a filtragem final, que descartariam os casos que não são graves e tratando os demais.

Já Kang Zhang, autor do estudo e pesquisador na Universidade Médica de Guangzhou (China) e da Universidade da Califórnia em San Diego, é mais otimista. Para ele, no futuro espera-se que a inteligência artificial seja capaz de fazer um diagnóstico completo, encaminhar pacientes e até mesmo decidir qual tratamento é o mais adequado.

Seria necessário, porém, uma espécie de “período de adaptação”, com inteligência artificial e médicos humanos trabalhando lado a lado, diz o pesquisador à Folha.

Para Ávila, um outro possível ganho é automatizar o acompanhamento de pacientes de alto risco ou que estão em tratamento. O único trabalho para o paciente seria ter de ir até uma clínica e realizar o exame periodicamente, desafogando, assim, os consultórios médicos.

Belfort explica que o Brasil ainda engatinha na área. “Precisamos ainda de uma base de dados confiável, de um número enorme de exames”. E esses exames de imagem têm de estar bem rotulados, ou seja, tanto a quantidade quanto a precisão de informações associadas a eles são fundamentais para um bom desempenho da inteligência artificial.

“É possível que, no futuro, médicos briguem com a máquina. Ambos vão ter que aprender onde estão errando; vai ter que haver ‘diálogo’”, diz Belfort. “Não pode haver competição. Todos estão buscando a inteligência artificial, mas a inteligência natural não pode ficar de lado.”

Para Zhang, que também é oftalmologista, não dá para fugir do futuro: “Penso que a chegada dos sistemas de diagnósticos baseados em inteligência artificial é inevitável. A nós, médicos, resta trabalhar e interagir com a IA para fazer o futuro da medicina mais custo-efetivo e, além disso, prover um melhor cuidado.”

Algoritmo
Cientistas da China, EUA e Alemanha criaram um algoritmo capaz de ler imagens de um exame de imagem da retina, a tomografia de coerência óptica.

Identificação
A ideia era que o algoritmo aprendesse a classificar as imagens dos pacientes de acordo com a doença e a gravidade.

Treinamento
Para cumprir a tarefa, foram mostradas para o programa mais de 200 mil imagens, já previamente analisadas por especialistas

Deep learning
O próprio programa encontrou caminhos para tratar as imagens e conseguir classificá-las, ao aplicar diversos filtros nas imagens e combiná-los em uma análise

Eficácia
O algoritmo teve desempenho no mínimo comparável ao de experts, errando apenas 6,6% dos casos. Dois experts erravam entre 7,7% e 10,5% das análises.

Ineficiência humana
A experiência humana em criar caminhos passo a passo para o programa conseguir realizar o diagnóstico foi ineficiente, gerando inúmeras categorias intermediárias

Futuro
Médicos acreditam que no futuro não muito distante poderemos ser diagnosticados mais rapidamente e com baixo custo por causa desse tipo de tecnologia




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