O bitcoin e muitas outras criptomoedas sofreram uma derrocada nos últimos meses, depois das altas históricas registradas em dezembro. Mas isso não afetou a popularidade de um modelo de captação de recursos para criptomoedas, as chamadas ofertas iniciais de moedas (ICOs).
As vendas desses “tokens” — ativos virtuais emitidos pelas companhias — já levantaram cerca de US$ 1,66 bilhão este ano, segundo a firma de pesquisas e dados Token Report. Já foram lançadas cerca de 480 ofertas em 2018 e apenas 126 destas fecharam para novos recursos. Segundo a Token, isso coloca o mercado rumo a superar o volume total captado no ano passado, de US$ 6,5 bilhões.
Por outro lado, o bitcoin teve uma desvalorização de 45% desde que bateu o recorde na metade de dezembro. “Os ICOs não vão desacelerar no curto prazo”, escreveu Galen Moore na mais recente newsletter da Token. E mais: o levantamento da Token Report inclui apenas ofertas “fechadas”. Isso significa que duas das maiores ofertas não estão incluídas: a da Telegram Group e a da block.one. Juntas, elas levantaram mais de US$ 2 bilhões.
Apostas expeculativas ou hits de tecnologia?
A Telegram é uma empresa de capital fechado dona de um popular aplicativo de mensagens online. Ela levantou US$ 850 milhões como parte de sua oferta, segundo documentos encaminhados à Securities and Exchange Comission (SEC). A block.one iniciou a captação no terceiro trimestre de 2017 e a oferta corre até junho. Ela já levantou mais de US$ 1,5 bilhão, segundo Brendan Blumer, executivo-chefe.
Apesar de toda a sua popularidade, as ofertas de moedas continuam sendo objeto de controvérsia. Ainda não está claro se algumas das vendas poderiam, em algum momento, ser consideradas ofertas de título pelas autoridades reguladoras. Além disso, muitas das empresas que conduzem essas ofertas não possuem um produto ou serviço, são conceituais.
Em muitos casos, os “tokens” que estão sendo vendidos não conferem nenhuma participação na companhia. Em vez disso, eles oferecem ao detentor o direito de comprar produtos ou serviços dessa companhia — se eles chegarem a ser lançados.
Mesmo assim, investidores estão desembolsando bilhões de dólares para participar dessas ofertas. Alguns acreditam que as empresas que estão levantando recursos serão as próximas sensações do setor de tecnologia. Muitos esperam encontrar investimento parecido com o bitcoin e veem as moedas como uma aposta especulativa.
Sejam quais forem seus motivos, os investidores em ofertas de moedas vêm criando algumas das startups mais bem capitalizadas em prazos incrivelmente curtos. O total de US$ 1,5 bilhão captado pela block.one em menos de um ano equivale ao total levantado pelo Twitter entre 2007 e 2011, por meio de nove rodadas separadas de captação de recursos. E apenas quatro ofertas públicas iniciais em 2017 e 2018 levantaram mais que o total captado pela block.one, segundo dados da Dealogic. “Jamais poderíamos ter previsto tamanho sucesso”, diz Blumer, da block.one.
Atrair tais recursos dá às empresas a capacidade de se diversificar rapidamente. A block.one pretende usar o US$ 1,5 bilhão para investir em empresas que criarão serviços na EOS — uma plataforma que opera nos moldes do bitcoin e parecida com o sistema Android do Google, que vai hospedar uma variedade de aplicativos.
A companhia firmou uma parceria com a Galaxy Digital, um “critptobanco de investimentos” fundado por Michael Novogratz, para financiar startups que estão criando projetos baseados na EOS. Um de seus primeiros negócios foi um investimento de US$ 30 milhões numa firma chamada Everipedia, que está construindo uma versão alternativa da Wikipedia.
Fundada em 2013, a Telegram, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, opera um aplicativo de mensagens que vem crescendo rapidamente. A companhia é controlada por um russo chamado Pavel Durov. A Telegram diz que irá construir uma rede, chamada Telegram Open Network, que poderá processar “milhões de transações por segundo”, segundo relatório oficial, e hospedar uma variedade de serviços como micropagamentos e armazenagem de arquivos, que poderão ser acessados via um novo “token”, chamado TON.
Basicamente, a Telegram passará de plataforma para bate-papos on-line a serviço de hospedagem com propósitos gerais como o Ethereum. Durov não respondeu a pedidos para comentários.
Até mesmo companhias que não levantaram somas tão grandes de dinheiro estão achando que as ofertas de moedas podem valer a pena de outras maneiras. Duas empresas conhecidas e que já tiveram seus dias de glória, a Eastman Kodak e a Atari, recentemente licenciaram seus nomes para ofertas de moedas. As ações das duas companhias subiram após os anúncios.
O sucesso das ofertas de moedas é ainda mais admirável diante do aumento da pressão das autoridades reguladoras sobre as criptomoedas e sobre as vendas de “tokens digitais”.
Nos Estados Unidos, a SEC (a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) e a Commodity Futures Trading Commission (CFTC) aumentaram a vigilância sobre o mercado de ofertas de moedas. A SEC lançou ações coercitivas contra várias ICOs, sendo o caso mais recente de uma empresa do Texas chamada AriseBank, que havia alegado ter captado mais de US$ 600 milhões com uma ICO.