O impacto humano do câncer é bem conhecido: são mais de 225 mil mortes no Brasil a cada ano. Mas agora, um estudo inédito também mediu as perdas que esse mal impõe à economia, levando em conta o recuo na produtividade causado pelos 87 mil óbitos registrados na população economicamente ativa - ou seja, pessoas com idade entre 15 a 65 anos.
A estimativa é de que o país sofra um prejuízo de US$ 4,6 bilhões anuais, o equivalente a R$ 15 bilhões e a 0,21% de toda a riqueza gerada.
O cálculo considera a renda média dos profissionais, quantos anos deixaram de ser trabalhados e com quanto eles poderiam ter contribuído economicamente por meio de salário e emprego até o final da carreira. Não foram incluídas crianças, pessoas que estavam em idade de aposentadoria e os gastos de saúde com os doentes.
"Se fossemos abraçar tudo (prejuízo econômico mais gastos com internação e medicamentos), estimo que as perdas totais seriam pelo menos o dobro do que avaliamos", afirma Isabelle Soerjomataram, coautora da pesquisa e membro da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC, na sigla em inglês), órgão ligado às Nações Unidas.
O estudo analisa as perdas causadas pelo câncer à economia dos Brics (grupo de emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e foi divulgado neste mês pela publicação científica "Cancer Research Epidemiology". Foram usados dados equalizados de 2012, que permitiram analisar o impacto econômico da doença para além dos indicadores triviais de incidência, mortalidade e sobrevivência.
Mais de dois terços dos 8,2 milhões de mortes anuais por câncer no mundo ocorrem em países de renda média e baixa - só os Brics concentram 42% desse total, ou seja, quatro em cada dez casos. Os prejuízos às economias desses países somam US$ 46,3 bilhões (aproximadamente R$ 150 bilhões) por ano, segundo os parâmetros da pesquisa.
Tabaco, obesidade e doenças infecciosas
A maior parte das perdas no Brasil ocorre por causa do câncer de pulmão, que tem o cigarro entre as principais causas. Só o custo das mortes por tabagismo foi estimado em US$ 402 milhões (R$ 1,3 bilhão) ao ano.
A obesidade também eleva o número de casos. "Taxas de obesidade que crescem rapidamente correspondem no Brasil a 2% dos casos de câncer em homens e quase 4% em mulheres. Isso aplicado aos resultados indica até US$ 126 milhões (mais de R$ 400 milhões) em perdas de produtividade por ano", diz o estudo.
Outra característica brasileira é o alto número de casos de origem infecciosa. "Em comparação com países desenvolvidos, temos uma alta incidência de tumores de origem infecciosa. É o caso do câncer de colo de útero por HPV, por exemplo", afirma a Marianna de Camargo Cancela, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), que também participou do estudo.
"Também temos incidência de cânceres típicos de países desenvolvidos. Essa transição é puxada pelo enriquecimento e envelhecimento da população", explica a pesquisadora. Com isso, no Brasil há "a coexistência de doenças típicas de países em desenvolvimento e de países desenvolvidos".
A diferença de participação entre homens e mulheres no mercado de trabalho também foi considerada no estudo, revelando diferenças nas perdas econômicas de acordo com o gênero.
Na média, cada vida perdida por câncer no Brasil na população economicamente ativa gera uma perda média de US$ 53,3 mil (R$ 176 mil). Mas no caso das mulheres, são US$ 44 mil (R$ 145 mil), e no dos homens, US$ 60 mil (R$ 197 mil).
"A diferença entre o custo de uma vida feminina e uma masculina não chegou a nos surpreender. Usamos dados como renda, desemprego, participação na força de trabalho. São indicadores tradicionalmente mais baixos para mulheres, especialmente em países em desenvolvimento", afirmou a coordenadora da pesquisa, Alisson Pearce, do Registro Nacional de Câncer da Irlanda.
Envelhecimento e prevenção
De acordo com os pesquisadores, a abordagem mais inteligente para lidar com o problema é a prevenção. "Por isso estamos focando em recomendar investimentos nessa área", diz Soerjomataram.
As tendências de mudanças no Brasil no longo prazo dependem do tipo de câncer.
"A incidência de câncer de pulmão, por exemplo, tem diminuído, o que é um reflexo de políticas bem-sucedidas de controle do tabagismo. Então podemos dizer que no Brasil, em relação ao câncer por tabagismo, a tendência é melhorar", avalia Pearce.
"Por outro lado, com o envelhecimento da população, a incidência geral de câncer aumenta. Daí a necessidade de investir em políticas públicas que atendam à população como um todo", afirma.
"O Brasil está transacionando para um perfil de país rico. Por isso, eu imagino que o problema do câncer não vai diminuir no futuro. Se nada for feito, na verdade, o problema vai aumentar. O que estamos vendo é apenas o começo em termos de perdas. Elas certamente crescerão", complementa Soerjomataram.
Uma pesquisa do Inca prevê que 1,2 milhão de novos casos da doença devem surgir no Brasil no período 2018-2019.
Como o progresso impacta os casos de câncer
Os US$ 46,3 bilhões perdidos anualmente pelos Brics por causa da doença correspondem a 0,33% de seu Produto Interno Bruto somado. Nos países desenvolvidos, porém, as perdas são ainda maiores - chegam a 1% do PIB nos EUA, por exemplo.
Assim como o Brasil, os demais emergentes passam por uma transição epidemiológica, fase em que os tipos mais comuns de câncer deixam de ser predominantemente associados a causas inflamatórias e infecciosas, o que é típico dos países em desenvolvimento, e passam a ser causados por estilos de vida nocivos como o sedentarismo, sobrepeso e tabagismo, o que é característico dos países desenvolvidos.
"Quando ocorre uma transição econômica, em diversos países se observa um aumento nos casos de câncer que estão correlacionados aos fatores de padrão de vida. Há uma forte redução no número de casos de câncer causados por infecções. Essa mudança se observa em um ritmo acelerado nos emergentes, assim como é acelerado o crescimento econômico deles", explica Soerjomataram.
Apesar de apresentarem semelhanças, cada país do bloco emergente tem suas particularidades na área da saúde.
"As diferenças entre os Brics foram a coisa mais surpreendente que observamos. Apesar de terem perfis econômicos parecidos, sofrem com tipos de câncer distintos. Isso destaca a importância de desenvolver estratégias específicas para os problemas locais", diz Pearce.
Na Rússia e na África do Sul, as maiores perdas econômicas são causadas pelo câncer de pulmão - o mesmo caso do Brasil. Já na China, o câncer que gera mais perdas por mortes é o de fígado, enquanto que na Índia são os tumores relacionados à cavidade oral.