A União tem sofrido cada vez mais condenações na Justiça para o fornecimento de medicamentos e equipamentos não oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2012, o governo federal gastou quase R$ 356 milhões para cumprir 13.051 ordens judiciais. Foi o maior desembolso dos últimos oito anos. Fundamentadas no direito constitucional à saúde pública, as decisões judiciais têm garantido desde remédios para tratamentos de câncer e doenças raras até o fornecimento de água de coco e cadeira de rodas.
Para o secretário de ciência, tecnologia e insumos estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, o crescimento nos gastos, que em 2012 foram 142 vezes maiores que os de 2005, é explicado pela percepção da população sobre o direito à saúde. "O Brasil é o único país que tem o acesso universal à saúde garantido pela Constituição", diz.
Segundo dados do Ministério da Saúde, 72% dos gastos de 2012 (R$ 255,8 milhões) foram direcionados para a compra de dez medicamentos, que beneficiaram 661 portadores de doenças raras. Entre elas, a doença de Fabry, decorrente da falta de uma enzima responsável pela decomposição de gorduras e que pode causar problemas em vários órgãos.
De acordo com advogados e defensores públicos, o principal motivo das ações é a falta de medicamentos. Também se discute o fornecimento de equipamentos, como cadeiras de rodas, e insumos, como fraldas.
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) garantiu o fornecimento de água de coco a um rapaz de 28 anos que, além de paralisia cerebral, tem intolerância a certos tipos de alimentos. "Foi um pedido inusitado", diz a defensora pública Tatiana Belons Vieira, responsável pelo caso. Segundo ela, o juiz de primeira instância negou o pedido por entender que era um produto supérfluo. "Mas com a receita médica conseguimos provar aos desembargadores a necessidade do produto", acrescenta a defensora, que chega a trabalhar, por dia, em dez casos sobre fornecimento de remédios e insumos.
Mesmo com uma liminar em mãos, dizem advogados, o paciente pode levar de 30 a 40 dias para receber o pedido. "O problema é a burocracia ou a necessidade de importação do produto", afirma a advogada Estela Alcântara, sócia do escritório Vilhena Silva Advogados. "Quando o pedido é contra um plano de saúde, o tempo cai para uma semana."
O aumento dos gastos também pode ser explicado pelo entendimento quase pacífico do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que o governo federal é responsável solidário nas ações ajuizadas contra os governos estaduais e as prefeituras. Isso porque possuem atuação conjunta no SUS. Segundo o Ministério da Saúde, parte dos R$ 356 milhões de 2012 foram repassados aos Estados e municípios para cumprimento de decisões judiciais.
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, por exemplo, condenou recentemente a União, Santa Catarina e o município de Florianópolis a fornecer um aparelho respiratório específico para um catarinense de 54 anos que sofre de apneia do sono e hipertensão arterial. A discussão foi levada à Justiça porque o Estado só oferecia um aparelho para insuficiência respiratória, que não seria eficaz.
Segundo advogados e defensores públicos, a diferença entre o medicamento prescrito e o oferecido pelo Estado é o segundo grande motivo para as ações judiciais. "É como enxugar gelo", diz a defensora Tatiana Belons Vieira. "O Estado oferece o genérico, mas o médico não vai prescrever o mais barato. Ele receita o que é melhor."
Responsável por cerca de 120 ações sobre o assunto, o advogado Julius Conforti afirma que a jurisprudência favorável acaba incentivando novas demandas. "O médico se sente mais seguro de prescrever determinado medicamento quando sabe que será possível obtê-lo pela Justiça", afirma.
A Advocacia-Geral da União (AGU), porém, defende que os tribunais devem pedir perícias médicas nos pacientes para avaliar se os medicamentos solicitados são os melhores para o tratamento ou se existem alternativas menos onerosas para os cofres públicos. "É uma grande questão que poderia ser alterada", diz em nota a AGU.
Para conter o crescimento exponencial das ações judiciais, o Ministério da Saúde mudou a estratégia. "Não esperamos mais demandas judiciais para incluir medicamentos no SUS", afirma o secretário Carlos Gadelha. Desde o fim de 2011, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) tem feito análises periódicas de novas tecnologias com base no critério de custo-efetividade.
Com isso, dos 20 medicamentos mais pedidos na Justiça em 2011, quatro foram incorporados ao SUS. Segundo o secretário, a média anual de inclusão de medicamentos foi triplicada no último ano, de 15 para 45 itens. "A expectativa é alcançarmos cem no fim deste ano", afirma.
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