A transformação digital está batendo à porta das grandes operadoras que prestam serviços de telecomunicações como oportunidade de negócio. São esperados para 2018 os primeiros movimentos de teles em busca de caminhos para ampliar a prestação de serviços baseados em novas tecnologias.
O consenso entre especialistas ouvidos pelo Valor é de que essas empresas precisam ir além do perfil atual - hoje essencialmente voltado à oferta de canais de comunicação, como banda larga (com ou sem fio) e voz. "A receita desses serviços vai crescer muito pouco ou não vai crescer", diz Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, especializada em telecomunicações.
No exterior, a expansão de gigantes digitais como Google, Facebook e Netflix - que lucram com serviços prestados a partir das redes de telecomunicações, sem que isso se traduza em receita para as operadoras - vem aumentando a pressão sobre as companhias do setor. À medida que cresce o tráfego de dados gerado por essas novas aplicações, as operadoras precisam investir em infraestrutura, mesmo sem capturar a receita gerada pelas redes sociais e pela transmissão em fluxo contínuo de vídeo (streaming), por exemplo.
A oferta de serviços de tecnologia da informação (TI) e mídia - computação em nuvem, inteligência artificial, segurança cibernética e publicidade digital - é uma estratégia ainda "em gestação" entre as operadoras que atuam no país, afirma Tude.
A situação brasileira contrasta com a dos mercados da Europa e dos Estados Unidos, onde os serviços digitais são tema do momento, diz o diretor-executivo da Telebras, Maximiliano Martinhão.
"Há oportunidades para as operadoras ampliarem em muito o seu espaço no mercado diante da demanda de serviços digitais, especialmente em um cenário em que a conexão passe se tornar uma 'commodity'", disse Martinhão. Com longa experiência no setor, ele foi secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações.
Tude, da Teleco, cita a AT&T, Verizon, Vodafone, Deutsche Telekom e a espanhola Telefónica como exemplos de operadoras em processo de transformação digital, com virtualização de redes em larga escala para suportar serviços de automação. São empresas que implementam mudanças nas redes, tornando-as mais flexíveis e com custo mais baixo, afirma o consultor.
A atualização das redes de telefonia celular para o padrão 4,5G, que já está acontecendo nas grandes cidades brasileiras, é uma das bases para atender as companhias que partem para explorar o mercado aberto pela internet das coisas (IoT, na sigla em inglês) - rede de objetos físicos conectados à web. Já as redes de quinta geração (5G) darão sustentação a uma gama ainda maior de serviços.
Para Tude, o padrão 5G só deve chegar ao Brasil no início da próxima década. No exterior, o cronograma de implementação da tecnologia começa neste ano. Além de testes previstos para serem realizados na China, os Jogos Olímpicos de Inverno de 2018, na Coreia do Sul, devem contar com a primeira rede de telefonia móvel de quinta geração em larga escala. A americana Verizon anunciou 5G em três a cinco cidades dos Estados Unidos. A AT&T informou que até o fim do ano, 12 mercados americanos terão a tecnologia.
Fervilha no exterior, mas por aqui avança lentamente, o movimento de aproximação mais efetiva entre teles e empresas de serviços de mídia. Na Espanha, a Telefónica investiu em redes de fibra óptica para transmissão de futebol. No Brasil, sua subsidiária Vivo tem parcerias com Netflix, Napster, Spotify e YouTube.
A Telecom Italia, dona da TIM, estuda em seu país de origem parceria com a Mediaset, grupo que controla uma das maiores emissoras de TV comerciais italianas. Aqui, dependendo do plano, a TIM Brasil oferece franquia extra de dados para utilização de aplicativos da Netflix, do Cartoon Network e do canal Esporte Interativo. Para atender a clientes corporativos, a TIM firmou parceria com a IBM e Ingram Micro , para serviços de TI em nuvem pública.
Por sua vez, a Claro, do grupo mexicano América Móvil, informou que firmou parcerias para soluções de IoT para carros conectados, empresas e casas inteligentes. Além disso, oferece opções de pagamento conforme o uso, incluindo "smart grid" (rede elétrica inteligente), virtualização de redes, recursos de computação em nuvem, segurança, inteligência artificial, centro de dados, big data, sistemas analíticos e aprendizado de máquina.
Quanto ao perfil das teles, a expectativa de especialistas ouvidos pelo Valor é de que 2018 não trará mudanças profundas nas operadoras voltadas para o mercado brasileiro. Um dos entraves ao avanço de redefinições no país é o compasso de espera em torno do Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 79/2016. Parado no Senado, o projeto foi elaborado para mudar o perfil das concessionárias, reduzindo as exigências regulatórias na telefonia fixa e transformando as concessões em autorizações. Mas não é certo que a votação avance no Congresso: "[Este] é um ano bastante comprometido por eventos e eleições", afirma André Borges, secretário de Telecomunicações, do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Por força de exigências regulatórias, as concessionárias no Brasil ainda estão amarradas a um modelo baseado na telefonia fixa, que continuamente perde participação de mercado. "Gastamos R$ 300 milhões por ano na manutenção de telefones públicos que praticamente não são mais usados", diz o diretor-presidente da Oi, Eurico Teles. O executivo lembra que 96% do valor das multas impostas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) à operadora referem-se ao serviço de telefonia fixa.
Aliás, há um consenso entre analistas ouvidos pelo Valor de que 2018 será ainda marcado pela expectativa em torno da recuperação da Oi e da chegada de novos sócios à companhia. A estratégia das concorrentes poderá ser afetada no caso da entrada de um ou mais sócios com alta capacidade de investimento.
O processo de recuperação judicial da Oi e a desaceleração dos investimentos foram fatores que ajudaram a ampliar o espaço das chamadas prestadoras de serviços de telecomunicações competitivas - empresas de menor porte que vêm expandindo sua atuação em regiões menos interessantes comercialmente para as grandes operadoras. Algumas estão focadas especificamente em serviços de infraestrutura de redes. "A expectativa [para 2018] é muito favorável, a demanda está aí", diz o presidente da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), João Moura.
Entretanto, Moura afirma que há a preocupação de como a Anatel vai trocar as obrigações das concessionárias por investimentos após a aprovação do PLC 79. As prestadoras competitivas chamam a atenção para o argumento de que a construção de redes redundantes prejudicaria seus planos de negócios.
O executivo destaca ainda a preocupação em torno das negociações da Anatel com a Telefônica Vivo em torno da troca de multas por investimentos. "Vão investir em áreas onde já existem operações das [prestadoras] competitivas? É preciso critério para não haver desbalanceamento", argumenta Moura, lembrando que 2017 foi o terceiro ano seguido em que as prestadoras competitivas lideraram as adições de banda larga fixa.