Fernando Silva Brandão é dono de uma farmácia da bandeira Farmais em Barra do Garças, no Mato Grosso. Fatura cerca de R$ 50 mil por mês, a metade do que a franqueadora, controlada pela Brasil Pharma, previa há quatro anos, quando a loja foi aberta. Há 35 anos no ramo de farmácias, diz que não recebe o apoio prometido pela empresa e, por isso, deixou de pagar os royalties e a taxa de publicidade há mais de um ano. Agora, estuda, com ajuda de um advogado, sair da rede.
Não se trata de um caso isolado. Em 2017, até setembro, 38 lojas da Farmais foram fechadas ou descredenciadas - e 24 abertas, no mesmo período. A rede é formada por 433 franquias distribuídas pelas regiões Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Nordeste. Dos oito donos de farmácias ouvidos pelo Valor em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Pernambuco, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, cinco se mostraram insatisfeitos.
O franqueado mato-grossense está endividado após ter investido R$ 170 mil para reformar a loja, adequando-se às exigências da rede. "Não tenho condições de arcar com os custos do processo sozinho, por isso estudo alternativas. O plano era mover uma ação junto com outros dois franqueados, mas a ideia não avançou. Antes, eram cinco lojas no Estado, mas hoje estão em operação três", diz Brandão.
Os investidores ouvidos pelo Valor, em especial fora do Estado de São Paulo, disseram que é difícil concorrer com redes como Raia Drogasil ou Drogarias Pacheco, controlada pelo Grupo DPSP, que também é dono da Drogaria São Paulo. Dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) referentes a 2016 indicam que a BR Pharma se manteve no quarto lugar do setor em número de lojas, mas em vendas caiu da quarta para a sexta posição.
Jean Freitas, do Rio de Janeiro, deixou a Farmais há seis meses, logo após o fim do contrato de cinco anos. Ele não tinha experiência no setor, por isso optou pelo sistema de franquia para ter o suporte na escolha dos produtos e do marketing. "Para a compra inicial recebi a ajuda de um funcionário da Farmais. Entretanto, um erro no planejamento fez com que o estoque ficasse grande, ocasionando perdas de quase R$ 40 mil devido ao vencimento de medicamentos".
Da receita prevista de R$ 100 mil na época, a loja localizada no bairro de Taquara, na região oeste da cidade do Rio, atingia entre 60% e 70% desse valor. Freitas, para tentar melhorar o resultado, chegou a reduzir a equipe na loja. Mas não deu certo. Trocou a bandeira Farmais pela Drogarias Ofertão e mudou a farmácia de lugar, levando-a para o centro do bairro. "Tenho suporte periódico, encarte com maior variedade de produtos, contador especializado e auxílio nos controles da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]". No quinto mês, a unidade vendeu R$ 80 mil.
Em Petrópolis, também no Rio, Marcelo Dejon seguiu o caminho de Freitas. Deixou a Farmais em setembro do ano passado e optou pela Drogarias Ofertão. "Esperei o contrato terminar para não desembolsar entre R$ 20 mil e R$ 30 mil de multa. Sou franqueado da [rede de restaurantes] Subway há dez anos, com três unidades, e a estrutura é bem diferente. O motivo deve ser o número pequeno de lojas no Rio de Janeiro. Minha unidade era a única na cidade", disse Dejon.
A BR Pharma informou que é comum receber reclamação de alguns franqueados devido ao tamanho da rede, mas, sempre que tem conhecimento, fala imediatamente com o investidor. Disse que a controlada Farmais sempre teve serviços de consultoria de campo, marketing físico e digital e tabloide de ofertas com 1 milhão de exemplares distribuídos por mês.
Desde maio de 2017, quando assumiu o comando da Farmais, Paulo Ricardo de Oliveira participou de seis encontros com franqueados, em diferentes regiões do país, para apresentar a nova estrutura de gestão e os novos planos de serviços, informou a empresa. Neste mês estão sendo implantados um programa de fidelidade para a rede de drogarias, um serviços de ensino a distância para treinar funcionários e um curso de gestão para os franqueados.
Em recuperação judicial há duas semanas, é possível que a BR Pharma se depare com um número crescente de franqueados dispostos a sair do negócio. Natan Baril, sócio do escritório Baril Advogados Associados, diz que "normalmente, o contrato blinda a franqueadora. Como a recuperação judicial de uma empresa não é motivo para o descredenciamento, somente a comprovação de que não estão sendo cumpridas as obrigações contratuais pode servir de argumento para uma rescisão unilateral do contrato pelo franqueado." Ele deu como exemplo falta de suporte técnico e omissão à transferência do conhecimento de operação.
O presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF), Altino Cristofoletti Junior, diz que são poucos os casos de recuperações judiciais no setor de franquias. Sobre a situação da BR Pharma, ele comentou que "é algo complexo, mesmo que esteja acontecendo com a controladora. Esta pode ser até uma oportunidade para separar os canais de venda próprio das franquias ou fazer um programa de recuperação para cada marca".
Nem todos os franqueados estão descontentes com a bandeira Farmais. A franqueada Kely Almeida, proprietária de duas farmácias na capital paulista, afirmou que o processo de recuperação da controladora não está impactando a operação. "Continuo recebendo suporte normalmente. Tenho uma loja inaugurada há um ano e tive problemas recentemente, mas fui atendida pela equipe. A nova gestão tem ideias interessantes e acredito que o cenário vai melhorar".
A BR Pharma disse que prosseguirá com a expansão da rede Farmais mesmo durante o processo de recuperação. O número de unidades pretendido não foi informado. Criada pelo BTG Pactual há oito anos, a holding de farmácias é controlada desde abril de 2017 pelo empresário Paulo Remy, ex-presidente da WTorre.
A BR Pharma também é dona das redes Sant'Ana e Big Ben, que somam 288 lojas próprias. Incluindo as franquias da Farmais, a BR Pharma soma 721 unidades.