Desde que sua mãe perdeu direito ao plano de saúde no qual era dependente de um dos filhos, há cerca de um ano, a manicure Eliane da Silva, de 51 anos, procurava um novo serviço para a idosa. Nenhum orçamento, porém, saiu por menos de R$ 2 mil mensais, valor incompatível com a renda da família. A solução veio num espaço a poucas quadras de casa, na Abolição, Zona Norte do Rio. Desde dezembro, a pensionista Ithamar Stain da Silva, de 81 anos, faz acompanhamento ortopédico na Policlínica Saúde Já.
— Tentamos clínicas da família, mas demorava para atender e encaminhar para qualquer especialidade era um drama. Agora, marcamos por WhatsApp e é sempre ágil — conta Eliane.
Na policlínica, Ithamar virou beneficiária de um cartão de descontos, ainda em fase experimental. Ela pagou R$ 720 por um pacote anual, em que parte dos exames é gratuita e cada consulta sai por R$ 10 ou R$ 15, dependendo da especialidade — o preço normal na unidade varia de R$ 69 a R$ 89.
Estimativas do setor apontam que já são mais de cem as clínicas com esse perfil na Região Metropolitana do Rio, em um crescimento impulsionado pela crise econômica e também pelo caos na saúde pública. Além da marcação de consultas via redes sociais, muitos estabelecimentos ficam em shoppings ou até grandes supermercados, em especial nos bairros do subúrbio, tudo para facilitar a vida do paciente (e dos médicos).
— O shopping oferece bastante conveniência para todos, em vários aspectos. Mas a gente escolhe de acordo com o perfil do frequentador. Não vamos montar um espaço no Village Mall — explica Paulo Granato, CEO da rede Policlínicas Granato, que tem quatro de suas sete unidades no Grande Rio localizadas em shoppings.
Operadoras: menos um cliente a cada três minutos
Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, que fiscaliza o setor, apontam que, entre outubro do ano passado e o mesmo mês em 2016, 188 mil pessoas abandonaram seus planos de saúde no estado do Rio. É como se um cliente deixasse o serviço a cada três minutos, seja por demissão e perda do pacote corporativo ou por opção financeira.
Uma das saídas, para quem não quer depender do setor público, são justamente as clínicas populares. A diferença de preço para grandes laboratórios em exames simples, como o de urina (EAS), chega a 80% — de R$ 20 para R$ 4. Um eletrocardiograma, procedimento mais complexo, também pode ser feitos com economia superior a 70% (o valor médio em estabelecimentos tradicionais gira em torno de R$ 150, contra até R$ 40 em unidades de baixo custo).
— A gente pega uma contramão da crise. Hoje, somando nossas seis unidades, fazemos sete mil atendimentos mensais, entre consultas e exames. A meta é abrir 20 novos espaços este ano (três serão inaugurados até março, um em Niterói e dois em São Gonçalo) — afirma Guilherme Aranha, sócio-fundador do Centro Médico Pastore.
O Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj), contudo, vê com ressalvas a expansão do setor. A orientação da entidade é checar se o espaço é cadastrado no órgão e se conta com um diretor-médico responsável, como determina a legislação.
— Além disso, é preciso frisar que esse tipo de serviço não substitui o SUS. Um caso cirúrgico ou exames mais sofisticados e caros ainda dependerão do setor público — diz Nelson Nahon, presidente do Cremerj.
‘Numa emergência, é preciso ir à rede pública’
Depoimento da assessora parlamentar Rafaella Siqueira, de 30 anos
“Na verdade, eu até poderia pagar um plano de saúde. Fiz a cotação e, para a minha idade, com uma cobertura boa, ficaria a pelo menos R$ 550. Em 12 meses, se você multiplicar, dá mais de R$ 6 mil. Acho um absurdo pagar isso tudo para fazer algumas consultas ao longo do ano, então optei por acompanhamentos numa clínica popular. A desvantagem, claro, é que, sem o plano de saúde, se você tiver uma emergência, precisa ir à rede pública. Não tem jeito.”