"As pessoas devem ficar preocupadas, mas não desesperadas", disse Marcos Boulos, coordenador de controle de doenças do governo paulista, em relação ao aumento de casos e mortes por febre amarela na Grande São Paulo.
Nos bastidores da saúde pública paulista, no entanto, o clima está tenso, especialmente com os atropelos e os gargalos na assistência à saúde.
Um exemplo é o caso da engenheira que sofreu hepatite fulminante decorrente da febre amarela e que recebeu um transplante de fígado.
No dia 20 de dezembro, ela procurou uma AMA (Assistência Médica Ambulatorial) na zona oeste da capital e recebeu diagnóstico de dengue e recomendação de repouso.
Como a febre e o mal-estar não melhoravam, foi levada a um hospital privado seis dias depois. Lá, os médicos diagnosticaram falência hepática, um quadro que mata a maioria dos pacientes infectados.
No dia 28, ela foi transferida para o Hospital das Clínicas. Após dois dias, recebeu um novo fígado, o primeiro transplante feito no mundo para tratar febre amarela.
Parece paradoxal. O SUS que realizou essa cirurgia inédita, que logo figurará na literatura médica mundial, é o mesmo que errou feio no diagnóstico inicial, confundindo febre amarela com dengue.
Ainda que muitos médicos digam que, no estágio inicial, dengue e febre amarela podem ser confundidas por apresentar sintomas semelhantes e que o diagnóstico correto não mudaria o curso da doença, isso é controverso.
Diagnóstico precoce e internação possibilitam cuidados mais intensivos, como hidratação rigorosa e monitoramentos renal, hepático e cardíaco, que reduzem o risco de morte.
Mas para isso é preciso, antes de mais nada, rapidez no resultado dos testes sorológicos. Há relatos de que, em alguns casos, a confirmação só saiu 15 dias depois da coleta.
Apesar de a febre amarela estar há mais de um ano vitimando pessoas no Estado, só agora é que as unidades municipais de saúde discutem o "fluxo" da doença, que entre outras coisas define o encaminhamento de doentes.
Essas situações demonstram falta de planejamento, despreparo e miopia dos gestores da saúde. A questão da vacina fracionada, feita com um décimo do conteúdo da integral, é um outro exemplo. Ainda que seja efetiva em situação de emergência, a medida é claramente um improviso, que demandará dose de reforço. A vacina integral protege para a vida toda.
É no mínimo curioso que o Brasil, maior produtor mundial da vacina contra a febre amarela, tenha que recorrer ao mesmo fracionamento adotado por países africanos, como Angola e República Democrática do Congo, para dar conta da sua própria demanda (Cládia Collucci).