Saúde e crise econômica
19/12/2017
A crise econômica apresenta efeitos colaterais importantes na saúde. O setor tem ampliado seus custos em todo o mundo, pelas mudanças demográficas da população (envelhecimento), o crescimento relativo de doenças crônico-degenerativas, as mudanças tecnológicas da assistência médica (novos medicamentos, aparelhos e técnicas que, simultaneamente, melhoram as expectativas de saúde, encarecem o atendimento aos pacientes), até as mudanças sócio- culturais (medicalização dos problemas humanos, uso de drogas), tornando o crescimento de despesas nesta área superior ao custo de vida geral.

As discussões tornam-se acirradas no sistema de saúde suplementar, integrado pelos seguros, planos e serviços privados de saúde não conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e no setor público: como reduzir custos e aumentar a eficiência no uso dos parcos recursos existentes?

No SUS, a questão opõe aqueles que restringem o tema do financiamento somente à ineficiência de gestão e outros que apontam a insuficiência crônica de recursos para o sistema (baixo gasto per capita público de saúde do Brasil comparado a outros países com sistema universal de saúde) considerando irrelevantes as críticas sobre gestão. Ambas as posições apresentam verdades e simplificações. É evidente que os recursos para o SUS são pequenos para os imensos objetivos previstos na Constituição, de garantir a universalidade e integralidade de atenção à saúde. Este fato não desmente que, em muitos casos, as práticas do sistema têm repetido erros de planejamento e gestão que também levam a desperdícios, exigindo reflexão e mudanças.

Entre os temas que merecem revisão estão formas jurídicas e administrativas utilizadas nos serviços de saúde do setor público. Nas esferas de governo (federal, estadual ou municipal) convivem múltiplos modelos, mas ainda com predomínio da chamada Administração Direta (AD) e Indireta.

As raízes do atual modelo da AD brasileira foram idealizadas ao fim da década de trinta (após a Constituição Federal de 1937) com a criação do Departamento de Administração do Serviço Público (DASP), no período Vargas, estabelecendo-se as estruturas básicas da administração pública, o concurso público, as regras para admissão, a especialização e qualificação dos servidores, a hierarquia, a impessoalidade, a rigidez e universalidade das regras, entre outros aspectos, baseados nas modernas disposições das administrações europeias daquela época.

Reformado por meio do Decreto-Lei 200/1967, diferenciando a AD ou centralizada da indireta ou descentralizada (formada por autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), o funcionamento básico do serviço público foi estabelecido desde então, e acolhido na Constituição de 1988, com poucas alterações posteriores.

Não se põe em dúvida a importância das normas que regem a AD nas atividades típicas de governo, mas sim sua utilização na administração de unidades prestadoras de serviços de saúde, como hospitais, laboratórios, ambulatórios de especialidades, entre outras, que não responde, com eficiência, às necessidades da administração moderna em saúde, que exige dinamismo e autonomia administrativa, financeira e orçamentária.

São inúmeros os infelizes gestores públicos de unidades da AD que relatam episódios como investimentos na aquisição de caros equipamentos médicos, inativos por longo tempo por problemas relativos a contratos de manutenção, aquisição de peças, material de consumo, contratação por concurso de pessoal especializado, reformas estruturais e muitas outras questões que reduzem a capacidade de produção e a eficiência em longo prazo.

A administração indireta, criada para resolver parte destes problemas, acabou tão engessada e sem autonomia como a AD, razão pela qual, em muitos destes serviços de saúde, verifica-se a criação de fundações privadas sem fins lucrativos (fundações de apoio), que assumem parte das tarefas administrativas, melhorando seus resultados.

As Organizações Sociais de Saúde, modelo iniciado de forma pioneira na saúde em 1998 pelo governo do Estado de São Paulo, expandiu-se gradativamente, abrangendo inicialmente serviços hospitalares e depois, serviços ambulatoriais, serviços de diagnóstico, centro logístico. O modelo realiza a gestão de serviços públicos de saúde por meio de parceria público-privada, creditando-se os melhores resultados à maior autonomia de gestão, melhor estruturação dos processos de trabalho, como o de aquisição de bens e insumos e movimentação de pessoal associados à contratualização por meio da definição de metas. Diferentes estudos e pesquisas, nacionais e internacionais, apontam para maior eficiência deste modelo em relação ao da AD.

No Estado de São Paulo observa-se menor custo por saída hospitalar, bons indicadores de produtividade hospitalar (maior taxa de ocupação, menor média de permanência, maior índice de giro) do que na AD, acompanhado de bons indicadores de qualidade e de avaliação pelos pacientes, inclusive com grande número de hospitais acreditados por entidades oficiais. Tendo se estendido para 20 Estados da federação e 200 municípios, observa-se ainda hoje, fortes resistências corporativas e ideológicas ao novo modelo, que, no entanto, é uma poderosa alternativa para a busca da eficiência no setor público de saúde.

No setor privado, que não opera com os engessamentos do setor público, também se discutem novos mecanismos que possam reduzir os custos dos atendimentos e melhorar resultados, como protocolos técnicos e normas de utilização, padronização de material, linhas de cuidado, formas menos custosas de prestação de serviços de saúde, como desospitalização, incentivo à prevenção e detecção precoce, pagamento por "pacotes" de diagnósticos (e resultados) e não apenas "fee for service", pagamento por procedimento.

O SUS também tem que se preocupar com estas questões, pois não atingirá seus objetivos realizando sempre "mais do mesmo". As dificuldades da administração pública são por demais conhecidas, é obrigação testar e tentar novos modelos que se mostrem viáveis para atender mais e melhor a saúde para os brasileiros.
Fonte: Valor




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