Em 2013, a Suzano decidiu expandir a carteira de clientes - à época com 500 empresas cadastradas - para combater os efeitos da retração na demanda brasileira por papel. A operação comercial, centrada no atendimento a atacadistas, engessava os planos para ampliar as receitas. "Queríamos ficar mais perto dos escritórios, escolas e papelarias, sem intermediários", lembram Antonio Augusto Cruz, diretor de tecnologia da informação, e Alexandre Cezilla, gerente geral de estratégia e marketing.
Entre os desafios, estava o de pulverizar o atendimento, sem aumentar, nas mesmas proporções, os custos. "A saída foi a oferta de serviços digitais", diz Cezilla.
Empenhada na transformação digital, a Suzano organizou as bases florestal e industrial com projetos de automação de processos e uso de inteligência. Faltava ousar na área comercial. "Desenvolvemos um aplicativo para promover o relacionamento direto com o cliente", conta Cezilla. O projeto resultou em um modelo de negócios amparado por análise complexa de dados (big data e analytics) e inteligência artificial. "Nos tornamos capazes de nos antecipar às necessidades dos consumidores", diz Cruz.
Os sistemas ficaram responsáveis por acompanhar cada interação com o cliente, anotando informações como comportamento e frequência de compra. Enquanto vigiavam, os "olhos digitais" enviavam dicas e análises para o time de vendas, ampliando a produtividade e a eficiência da equipe. Assim a digitalização multiplicou as possibilidades de chegar até os compradores.
"As informações seguem um fluxo contínuo, com atualização automática para quem está na rua ou na central de vendas", explica Cruz. O esforço resultou na carteira atual (com 40 mil cadastros), melhor desempenho nas vendas de papel e captação de informações valiosas, que vão direcionar a oferta de produtos e serviços e apontar novos nichos de mercado. "Sem a tecnologia, seria impossível estabelecer essa conexão com o mercado", diz Cezilla.
O movimento da Suzano resume a trajetória das companhias que buscam na digitalização capacidade de inovar nos modelos de negócios. "As empresas que embarcaram no movimento de transformação digital vão se adaptar rapidamente às pressões do mercado", comenta Márcia Ogawa, sócia líder da área de tecnologia da Deloitte. Ela explica que a oferta de serviços digitais tem se tornado estratégica para ampliar as receitas.
A Deloitte identificou, em pesquisa, que a retomada da economia vai estimular investimentos em 2018. As empresas pesquisadas (750 companhias, distribuídas em 36 setores, cujas receitas somadas representam 26% do Produto Interno Bruto brasileiro) esperam realizar aportes 15,8% superiores aos contabilizados em 2017. Entre as metas está a de ampliar a capacidade de inovação. Mais da metade (56%) pretende lançar produtos ou serviços e 40% delas declararam intenção de substituir máquinas, equipamentos e instalações.
Segundo Márcia, aportes em tecnologias como internet das coisas (IoT), análise complexa de dados, sistemas distribuídos (como o blockchain) e inteligência artificial devem fazer parte das estratégias. "Essas inovações estão transformando o ambiente de negócios", diz, lembrando que os empresários têm de buscar entendimento sobre as novas técnicas. A pesquisa da Deloitte também identificou que parte significativa das empresas desconhece as tecnologias de blockchain (35%), cidades inteligentes (35%), indústria 4.0 (31%) e realidade virtual e aumentada (23%). "Esses dados são preocupantes."
O mercado de tecnologia da informação e comunicação (TIC) no Brasil é significativo. O instituto de pesquisa Gartner estima que, em 2018, os gastos totais devem chegar a US$ 78 bilhões de dólares. Cassio Dreyfuss, diretor de pesquisa do Gartner, aconselha as empresas a começarem alguma iniciativa de transformação digital no próximo ano. "É preciso acelerar. Existem tecnologias acessíveis e prontas para implementação", destaca.
Segundo Dreyfuss, a internet das coisas, a inteligência artificial e o conjunto de técnicas para criar aplicativos compõem um caminho mais seguro para as corporações. "São tecnologias testadas, utilizadas e oferecidas pelas principais empresas do setor. Não há necessidade de investir altas somas de dinheiro para adotar soluções e criar serviços digitais."
Dreyfuss destaca que, com os recursos atuais, é possível estabelecer etapas e definir as prioridades para a transformação digital: "Não é preciso jogar tudo o que se tem no lixo para amanhecer digital". Ele admite, no entanto, que essa ideia ainda permeia o imaginário do empresário, dificultando o avanço dos projetos. "É preciso entender que será passo a passo."
Flaviano Faleiro, diretor executivo e líder da Accenture Digital para a América Latina, concorda com Dreyfuss. "Nenhuma empresa pode se dar ao luxo de esperar", diz. Para ele, a principal meta é a de transformar a experiência do cliente. "Empresas que nasceram digitais se tornaram gigantes por oferecer algo totalmente diferente para o consumidor", lembra.
Dreyfuss reforça que indústrias mais dinâmicas e competitivas estão à frente do movimento. Os bancos avançam rápido, seguidos por companhias nas áreas de mídia, entretenimento e varejo. Agronegócio e saúde também reúnem iniciativas de destaque. Já a manufatura está mais atrasada, mas terá de se mover para os conceitos da indústria 4.0. "Neste segmento é mais complicado porque os projetos vão exigir troca de ativos", explica.
Para a economia brasileira, a oferta de serviços digitais também é benéfica. Márcia, da Deloitte, destaca que a busca por produtividade elevará a eficiência nas cadeias produtivas, tornando o Brasil mais competitivo no comércio internacional. "A digitalização extingue as barreiras geográficas e facilita o acesso ao mercado global", afirma. Outro ponto é o fato de a tecnologia promover o nascimento de empresas com foco na rápida internacionalização dos negócios. "A inovação exige maior abertura econômica, o que é bom para o país", afirma.
Faleiro, da Accenture, diz não haver desculpa para o Brasil se acomodar: "Para se beneficiar da transformação digital, um país precisa reunir características como grande população, densidade demográfica e adoção intensiva de redes sociais. Temos tudo". Segundo ele, a presença digital - no comércio eletrônico e nas redes sociais - derruba barreiras para criação de negócios, fomentando o empreendedorismo. "É possível abrir uma empresa com pouco capital. O brasileiro é empreendedor e está aproveitando", afirma.