O projeto de lei que trata dos planos de saúde, que deve ser analisado nesta quarta-feira na comissão especial da Câmara dos Deputados responsável pelo assunto, pretende mudar as regras das reservas financeiras que as operadoras e seguradoras de saúde são obrigadas a ter para cobrir custos com hospitais, laboratórios e médicos em casos de falência.
Esse é um dos pontos que está sendo pouco questionado no projeto de lei, diferentemente do que ocorreu com a proposta de parcelamento do reajuste por idade aplicado quando o usuário faz 59 anos - que gerou polêmica e foi retirada do texto.
Procurada pelo Valor, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou que prefere não comentar, mas está acompanhando o tema com atenção.
Hoje, há cerca de 90 operadoras com problemas financeiros. Entre elas, o caso mais emblemático é o da Unimed-Rio, que conseguiu usar suas reservas para pagar dívidas e ainda está em situação delicada. A cooperativa médica carioca, com 685 mil usuários, conseguiu usar sua provisão para quitar débitos porque fechou um acordo com o Ministério Público para não quebrar e evitar impactos negativos em toda a cadeia de saúde.
A atual regra de provisão determina que as operadoras tenham uma reserva financeira no mesmo valor de suas despesas médicas mensais. Desta quantia, até 20% podem ser em imóveis de hospitais, laboratórios e clínicas da operadora. Os demais 80% precisam ser em dinheiro, para garantir liquidez para a operadora honrar débitos rapidamente em caso de quebra e, assim, evitar um problema sistêmico.
Pelo projeto de lei, a operadora será obrigada a provisionar uma quantia equivalente a 75% de suas despesas médicas e não mais 100% como é hoje. Além disso, uma parcela representativa das reservas poderão ser garantidas com imóveis. Nos planos de saúde filantrópicos, 80% das provisões poderão ser feitas com ativos imobiliários; nos de autogestão esse percentual será de 70%. Já as cooperativas médicas poderão ter 60% de suas reservas lastreadas em patrimônio imobiliário e as operadoras de medicina de grupo e seguradoras de saúde, 50%.
Os ativos imobiliários colocados em garantia nem sempre têm boa liquidez. Hospitais com infraestrutura ou localização ruim, por exemplo, podem levar tempo para ser vendidos. Esse é um problema que afeta muitas operadoras verticalizadas de pequeno porte. Quanto menor o número de usuários, maiores são as chances de a operadora enfrentar dificuldades financeiras, porque o risco da sinistralidade não é diluído.
As operadoras têm R$ 36 bilhões provisionados para esse fim. O argumento do setor é que esse dinheiro poderia ser aplicado na expansão do negócio. Segundo fontes a par do assunto, essa ideia vem sendo defendida, principalmente, por operadoras pequenas e cooperativas médicas. "A medida do projeto de lei é positiva para as pequenas operadoras de planos de saúde do interior do país que vão ter mais condições de investir em rede própria e baixar custos", disse Marcos Novais, economista-chefe da Abramge, associação das operadoras de planos de saúde.
A expectativa do relator do projeto, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), e da Abramge é que as maiores operadoras não entrem nas novas regras se o projeto de lei for aprovado. "Dificilmente, os grandes grupos vão comprometer seu patrimônio imobiliário usando-o como ativo garantidor. Essas operadoras podem querer no futuro fazer um 'spin-off' de seus hospitais e clínicas", disse Novais.
As discussões sobre os ativos garantidores ganham relevância com o início, nesta semana, de um programa da ANS que permite às operadoras de pequeno e médio portes em dificuldades financeiras, mas que ainda não entraram em processo de liquidação, repassarem suas carteiras de usuários ou venderam todo o negócio e sacar o dinheiro de suas reservas para pagar débitos com hospitais, clínicas e laboratórios.
Até então, as operadoras só podiam usar os ativos garantidores quando já estavam em processo de liquidação. Porém, as essas empresas acumulam muitas dívidas até chegar a essa fase, o que acaba provocando desinteresse de outros grupos em adquirir um ativo com passivo elevado. Hoje, há 453 operadoras com até 20 mil usuários e outras 247 empresas com uma carteira entre 20 mil e 100 mil clientes.