Num cenário de aumento do desemprego e escassez do plano de saúde individual, o número de pequenas e médias empresas comprando convênios médicos aumentou 70% nos últimos três anos. São quase um milhão de contratos que abrigam também microempresas individuais, vistas como uma "bomba-relógio" por operadoras de planos de saúde, Receita Federal, Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Ministério Público.
Muitas dessas microempresas individuais, chamadas de MEI, foram criadas exclusivamente para a contratação de planos de saúde. Em alguns casos, os corretores chegaram a pagar as taxas de abertura da empresa e o consumidor só ficou sabendo que era dono de uma empresa quando começou a receber notificação de cobrança de impostos. A Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) recebeu mais de 100 denúncias e levou o caso ao Ministério Público Federal de São Paulo, à Receita Federal e à ANS.
Os casos acenderam um alerta na Receita Federal, que suspendeu, no mês passado, temporariamente, cerca de 1,4 milhão de registros de microempresas que há dois anos estão inadimplentes com taxas mensais, não declararam imposto de renda e não têm nenhuma movimentação de ganhos e despesas. Segundo Rodolpho Ramazzani, diretor da ABCF, o único registro de movimentação dessas MEIs nesse período foi a contratação do convênio. O prazo para regularização termina amanhã e os débitos não quitados serão revertidos automaticamente para o CPF do dono da microempresa.
Também amanhã, a ANS realizará uma reunião para debater o caso dos planos de saúde das microempresas conhecidos também como "falso coletivo". Segundo uma fonte a par do assunto, a ANS deve começar a exigir que as contratações dos planos sejam feitas por microempresas ativas há pelo menos seis meses. Além disso, a agência discutirá o ponto mais delicado desse problema: o destino dos convênios ligados às MEIs que tiverem seus registos cancelados definitivamente a partir da próxima semana. Uma das possibilidades aventadas é que esses convênios tornem-se planos individuais.
Questionada pelo Valor, a ANS informou que está "preparando uma Resolução Normativa (RN) para regulamentar a contratação de plano coletivo empresarial por empresário individual. O objetivo é estabelecer regras claras nesse tipo de contratação, dar segurança jurídica à relação contratual e impedir a contratação de planos por empresários individuais constituídos somente para esta finalidade."
A Abramge, associação das operadoras de plano de saúde, diz que tomou conhecimento dos primeiros casos há cerca de um ano e que as grandes operadoras começaram exigir de seus clientes uma declaração registrada em cartório de que suas respectivas microempresas estão ativas e que declaram o Imposto de Renda. Nos casos de novos clientes, a exigência é de que a MEI esteja ativa entre três e seis meses. "Criamos uma espécie de autorregulação. Mas, somos contra a migração para planos individuais. Estamos trabalhando para reduzir nossos custos administrativos, não podemos agora ser fiscais de um problema que é do governo", disse Reinaldo Scheibe, presidente da Abramge.
O caso foi tema de uma audiência na Câmara dos Deputados, na Comissão de Defesa do Consumidor, em agosto. Participaram representantes do Ministério Público, ANS, Abramge, Receita Federal e da ABCF. "Visitamos dez corretoras de São Paulo e oito delas ofereceram abrir uma MEI para baratear o custo do plano de saúde", disse o presidente da associação, que recebeu as denúncias entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro semestre deste ano.
Segundo Ramazzani, os corretores argumentavam que o plano de saúde adquirido por meio de uma MEI tinha um custo 30% inferior em relação a uma contratação via pessoa física. O modelo de reajuste da mensalidade de um plano de saúde para uma PME, que pode ter até 30 usuários, é diferenciado. A operadora é obrigada a considerar a sinistralidade de todas as pequenas empresas que são suas clientes e a partir disso calcular um reajuste médio.
A desvantagem para a PME é que a operadora pode cancelar o convênio de forma unilateral. Já nas grandes companhias, cujo poder de barganha é maior, o reajuste é feito com base no gasto dos próprios funcionários. Neste ano, o reajuste médio do plano de saúde das PME foi de 14,71%; do convênio individual regulado pela ANS, 13,55%. O preço dos planos corporativos (com mais de 30 usuários) subiu na casa de 19%.
A ANS informou que não há dados sobre o número de convênios adquiridos por microempresas individuais. Em meados de 2015, 58,5% dos contratos empresariais, que incluem firmas de todos os portes, tinham até cinco usuários de planos de saúde, cada um.
O registro das PME não está na mira da Receita Federal e essas empresas podem ter entre dois e 30 usuários de planos de saúde. Já as microempresas podem comprar convênio médico para apenas uma pessoa. Em agosto de 2015, havia 43,2 mil contratos registrados na ANS de empresas com um único usuário de plano. Também chama atenção que, nos últimos três anos, o número de pessoas com plano contratado por uma PME cresceu 37% para 4,5 milhões. E o volume de empresas desse porte contratando convênio subiu 70%.