Eficácia do Mais Médicos divide opiniões em audiência na CAS
27/10/2017
A adoção do programa Mais Médicos dividiu opiniões na audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) que discutiu o tema, nesta quinta-feira (26). Pesquisadores defenderam a medida, que aumentou a cobertura médica à população mais carente, mas as entidades médicas criticaram a ação, que permitiu a profissionais sem revalidação de diploma e sem treinamento considerado adequado atender aos cidadãos, expondo-os a erros.

Felipe Proenço e Vinícius Ximenes, professores das universidades federais da Paraíba (UFPB) e de Brasília (UnB), respectivamente, defenderam que o programa foi importante para aumentar a cobertura de Atenção Básica e Saúde da Família, o acesso, a oferta de ações de saúde e para melhorar os indicadores e diminuir as internações da população, especialmente nos locais mais carentes. A iniciativa criada em 2013 levou 18.240 médicos a 4.058 municípios e 34 distritos indígenas brasileiros, elevando a média de profissionais por habitante e o atendimento à população.

Segundo Proenço, da UFPB, o programa permitiu o aumento de médicos por mil habitantes especialmente nos municípios com mais de 20% da população vivendo em extrema pobreza, nas regiões Norte e Nordeste, locais com dificuldades para atrair profissionais. Ele ressaltou o efeito de equidade na distribuição, levando-os para onde não havia profissionais, e a importância das ações de atenção básica para essas populações, evitando complicações por doenças simples e desafogando a saúde pública especializada.

Formação

No entanto, eles também afirmaram que é essencial o Estado investir na educação e formação de novos médicos, caso contrário, dependerá cada vez mais de ações emergenciais como o programa, com profissionais estrangeiros, o que não é considerado o cenário ideal.

Vinícius Ximenes, da UnB, lembrou que o Mais Médicos está, pela Lei 12.871/2013, que o criou, associado à melhoria da formação dos profissionais de Medicina. Como exemplo do que deve ser feito e aprimorado, ele citou as mudanças nas diretrizes curriculares que permitam menos simulações e mais contato com situações reais, diminuindo dificuldades de habilidade e com enfoque em conhecimentos que dialogam com as necessidades de saúde prevalentes na população.

O professor falou ainda de alterações que deveriam ser colocadas em prática, como a exigência de que a formação final dos médicos seja voltada para a atenção básica, na área de conhecimento de Medicina de Família e Comunidade, ou de Urgências e Emergências. Para fazer especializações depois da graduação, seria necessário esse pré-requisito, um estágio de um a dois anos em programas de “clínica geral”. Essa disponibilidade de graduandos na saúde pública faria diferença para garantir o acesso da população ao atendimento e melhorar a qualidade dos profissionais.

Vinícius defendeu ainda a “universalização da residência”, com mais vagas de residência médica disponíveis aos egressos dos cursos de Medicina, ampliação dos mestrados para a docência médica e a abertura e manutenção de cursos de medicina nas áreas em que há mais carência de profissionais, como os estados do Norte e Nordeste. Em sua visão, assim é mais fácil que os profissionais se fixem ali. Mas, para tudo isso, opinou, é preciso melhorar o direcionamento de recursos orçamentários para a área.

— Se a gente não conseguir fazer esse investimento de forma qualificada na mudança da formação, o Brasil não será autossuficiente em quantidade e qualidade para garantir os médicos de que precisa no sentido de movimentar o seu Sistema de Saúde e o mercado de trabalho — previu.

Ronald Santos, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), lembrou que a atenção básica de saúde no Brasil precisa ser fortalecida, algo que o Mais Médicos propiciou, de alguma forma.

— O programa possibilitou a democratização do acesso ao SUS, a ampliação da atenção básica, a superação dos vazios assistenciais e da concentração de médicos nas capitais e grandes cidades. O CNS reconheceu que o programa levou profissionais para a periferia das grandes cidades, comunidades rurais e indígenas e municípios do interior do país, lugares que não conseguiam fixar médicos brasileiros. Foi uma medida importante para consolidação do SUS como sistema público universal integral e de qualidade, nos moldes constitucionais — opinou.

Ele mencionou reunião que ocorre esta semana com representantes da União, dos estados e dos municípios para discutir a portaria de revisão da Política Nacional de Atenção Básica. Pairam dúvidas e temores de a revisão que traga retrocessos à estruturação do direito à saúde no país.

Carreira de Estado

As entidades médicas convidadas para a audiência foram críticas do formato do programa Mais Médicos, que privilegiou a entrada de profissionais estrangeiros em detrimento dos brasileiros. Elas defenderam a criação de uma Carreira de Estado para médicos, enfermeiros e dentistas. Vinculados aos governos, mais profissionais seriam atraídos, e isso garantiria a oferta de trabalhadores da saúde para os rincões, algo que o Mais Médicos prometeu e não cumpriu satisfatoriamente, segundo Alceu Pimentel, do Conselho Federal de Medicina (CFM).

— A saúde no Brasil precisa ser tratada com seriedade, precisa ter recursos humanos que sejam perenes, a gente não pode tratar a saúde no Brasil com programas temporários, que têm tempo para vencer e que têm, em seu início, um cunho eleitoral fantástico — afirmou.

Proposta com esse teor (PEC 454/2009) aguarda análise na Câmara dos Deputados e cria a carreira de médico nos serviços públicos federal, estadual e municipal e estabelece a remuneração inicial da categoria em R$ 15.187,00, semelhante à de juízes e promotores.

Pimentel criticou ainda o fato de as regras do programa terem sido elaboradas nos gabinetes do Ministério, sem discussão com a sociedade médica ou a comunidade acadêmica, de ensino. Ele citou ainda dados de uma auditoria promovida pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2015, constatando que em 49% dos primeiros locais atendidos pelo Programa, ao receberem os bolsistas, houve a dispensa de médicos brasileiros contratados anteriormente. Seria mais justo se houvesse a aplicação, aos estrangeiros, da revalidação de diplomas desses profissionais no Brasil, além de um treinamento básico sobre os protocolos de Medicina.

Lincoln Ferreira, da Associação Médica Brasileira (AMB), lembrou os inúmeros erros cometidos pelos médicos do programa, quase sempre por desconhecimento dos protocolos de Medicina do país, e que viralizaram nas redes sociais como #cubanadas. Nisso, também estão incluídas prescrições ilegais, como “goles de conhaque para melhorar a tosse de menores de idade”. Ele lembrou que, na primeira fase, 15 mil médicos ficaram na fila para atuar no Mais Médicos, o que desmente o discurso de que não há demanda de médicos brasileiros pelo programa.
Fonte: Anahp




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