A cidade de São Paulo entrou em alerta após um exame detectar o vírus da febre amarela em um macaco morto no Horto Florestal.
Diante disso, a prefeitura iniciou uma vacinação ao redor da área, em um raio de 500 metros do parque. Em uma segunda fase, a imunização será estendida a uma distância de um quilômetro e, depois, para toda a zona norte.
Não há registro de casos em humanos na cidade. Para Maurício Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, já era possível no entanto prever que o vírus iria ameaçar a capital paulista.
Na opinião dele, ações humanas estão de duas formas por trás da ocorrência dos casos da doença no Brasil –desde dezembro de 2016, a quantidade já chegou a 777.
Por um lado, afirma ele, o deslocamento de pessoas ajudou a consolidar a presença do vírus na região da mata atlântica. Por outro, o combate à doença enfrenta os efeitos da crise política e do estrangulamento financeiro das áreas de ciência e saúde.
Clique aqui e entenda a situação da febre amarela em SP e o que fazer para se prevenir.
Folha - Como entender a aparição de um macaco infectado pelo vírus na capital paulista?
Maurício Nogueira - O mosquito transmissor da febre amarela está retornando a um ambiente que era dele. Historicamente, ele sempre viveu na mata atlântica, até que foi empurrado para a região amazônica por causa da vacinação e da destruição da mata.
Quais são as hipóteses para explicar a volta do vírus?
O vírus se move de três formas: por mosquito, por macaco e por gente. Os três fatores são importantes, mas quem percorre longas distâncias são os humanos. É importante lembrar que a maioria dos casos de febre amarela é assintomática. O que vemos é só a ponta do iceberg. Então podemos fazer uma matemática simples: se registramos 700 casos, o número real pode ser cinco vezes maior.
Essas pessoas sem sintomas vão para outras regiões de mata por causa de ecoturismo, caça e pesca, por exemplo, e assim podem transportar o vírus. Além disso, muitos condomínios se aproximaram de regiões de mata. Dessa forma, nos expomos ao vírus.
Era então algo esperado a chegada do vírus a São Paulo?
Considerando-se a trajetória dele ao longo do ano [passando por Espírito Santo, Minas, Rio e interior de SP], era um fenômeno esperado. Teve caso em Campinas e Jundiaí, em área com grande extensão de mata, onde os macacos circulam. Da mesma forma, podemos esperar que o vírus em algum momento chegue também ao litoral paulista.
Há um mês, o ministro Ricardo Barros (Saúde) disse que o surto havia acabado. Qual foi a consequência da declaração?
O país baixou a guarda. O ministro foi extremamente ansioso de decretar isso. Um surto não acaba por decreto, mas com o fim de um ciclo biológico [questionado na terça, o ministro disse que a detecção do vírus em um macaco em São Paulo indicava "um novo ciclo" do vírus].
A recomendação de vacinação em São Paulo deveria ter sido feita antes?
Deveria, sem dúvida. Mas a pergunta é: será que tem vacina? Se considerarmos Grande São Paulo, Campinas e litoral, serão necessárias 30 milhões de doses [divulgada no início do ano, a capacidade de produção do laboratório de Bio-Manguinhos era de 9 milhões de doses por mês].
Esse ciclo que está ocorrendo agora mostrou que mesmo regiões que achávamos ter menos risco estão expostas. Não temos mais argumento para não vacinar o país inteiro, a começar pelas populações mais vulneráveis [próximas a áreas com mortes de macaco causadas pelo vírus].
Os casos de febre amarela vêm ocorrendo em meio a uma crise política no país. Isso atrapalha o combate à doença?
Sem dúvida. Há mais de dois anos essa crise política vem causando inoperância, com trabalhos feitos de forma fragmentada, mudanças de política e uma sangria financeira justamente nas duas áreas que poderiam tomar conta disso: a ciência e a saúde. Como dar a resposta que o Estado precisa dar em uma situação como essa?
Qual é a gravidade da atual situação?
A gravidade é o risco de a febre amarela urbana [erradicada em 1942] voltar, já que o vírus chegou a uma área que tem muito mosquito e muita população não vacinada.
Qual o tamanho do risco?
O risco é alto, e o Brasil está jogando com ele. Já demos sorte de a urbanização não ter acontecido no Rio e em Vitória. Por outro lado, as condições para a reurbanização nas áreas centrais de São Paulo são bem menos favoráveis que as do Rio, onde há mais mosquitos circulando.
Como conter o risco de reurbanização?
Para conter, só vacinando, a começar pelas populações mais expostas. Outra medida importante é fazer vigilância ativa para detectar o quanto antes pessoas com possíveis sintomas da síndrome febril. Mas não há motivo para pânico. Conheço pessoas muito sérias à frente da situação.
Perguntas e respostas
Qual é a situação atual da febre amarela na capital paulista?
Após a confirmação da morte de um macaco por febre amarela no Horto Florestal, o governo de SP fechou o local e o parque da Cantareira, também na zona norte, e recomendou a vacina para residentes de bairros próximos. Nesta terça (24), um exame preliminar indicou um macaco infectado pelo vírus no parque Anhanguera, que também foi fechado. A prefeitura recomenda ainda evitar os parques lineares Canivete e Córrego do Bispo (em implantação)
Há registro de pacientes em SP?
No Estado, houve neste ano 22 casos de febre amarela silvestre (transmitida em área de mata), com dez mortes. Na capital paulista, não há registro de casos humanos autóctones, mas apenas de casos importados, ou seja, de pessoas que contraíram o vírus em outros municípios ou Estados
O vírus é transmitido por macacos?
Não. O vírus é transmitido por um tipo de mosquito presente em áreas de mata. O inseto infecta tanto humanos quanto macacos
O Brasil tem casos de febre amarela urbana?
Não. Desde 1942, o país só tem ocorrências da variação silvestre do vírus
Como se prevenir?
A vacinação é a principal medida de prevenção
Quem deve se vacinar?
Na capital paulista, moradores de três bairros: Casa Verde, Cachoeirinha e Tremembé, vizinhos ao Horto. Depois, a imunização será estendida a outros bairros da zona norte. Além disso, permanece a recomendação de vacina para quem se dirige a regiões de mata dentro das áreas de risco. O mapa pode ser consultado em saude.gov.br/febreamarela
Fui ao Horto ou à Cantareira nas últimas semanas. Devo me vacinar?
Não. A recomendação é que apenas moradores ou frequentadores dos bairros vizinhos ao Horto sejam imunizados
Não moro nesses locais nem vou viajar a áreas de risco. Devo me imunizar?
Não, inclusive porque a vacina tem risco de efeitos adversos –embora raros, alguns deles são graves
Onde a vacina está disponível?
Na rede pública, pode ser encontrada em unidades básicas de saúde. Na particular está disponível por cerca de R$ 250
Quantas doses da vacina é preciso tomar?
Uma, segundo recomendação do Ministério da Saúde e da OMS (Organização Mundial de Saúde)
Até abril, o ministério recomendava tomar uma segunda dose dez anos após a primeira. Quem foi vacinado antes da mudança de recomendação precisa tomar a segunda dose?
Não. A vacina atual é exatamente a mesma de antes. A única mudança é que o ministério passou a aceitar o entendimento anterior da OMS de que apenas uma dose é suficiente.
Quem não pode tomar a vacina?
Gestantes, bebês com menos de 6 meses (e mulheres que amamentam crianças até essa idade), alérgicos a ovo e pessoas imunodeprimidas em razão de doença ou tratamento. No caso de pessoas com doenças autoimunes ou mais de 60 anos, a vacinação deve ser analisada por um médico
Tenho indicação para vacina, mas mas perdi meu cartão de vacinação e não sei se tomei a dose. O que fazer?
Procure o serviço de saúde que costuma frequentar e tente resgatar seu histórico. Caso não seja possível, a recomendação é fazer a vacinação normalmente
O horário das unidades de saúde nas áreas de recomendação de vacina será estendido?
Segundo a prefeitura, a extensão do horário de funcionamento está em estudo e deverá acontecer "de acordo com as necessidades de cada região", inclusive, eventualmente, com abertura de unidades aos sábados e domingos
Após a infecção pelo vírus, em quanto tempo a doença se manifesta?
Os sintomas iniciais aparecem de três a seis dias depois
Quais são os sintomas?
Inicialmente, febre, calafrios, dores no corpo, náuseas e vômitos. A maioria das pessoas melhora após os sintomas iniciais, mas cerca de 15% desenvolvem sintomas mais graves, como hemorragia, que podem levar à morte