A discussão de um novo marco legal para os planos de saúde, que tramita em regime de urgência em comissão especial na Câmara dos Deputados, poderá incluir uma permissão de reajuste nos planos para pessoas acima de 60 anos, de forma escalonada.
Hoje, há dois tipos de reajuste: um anual, que ocorre pela variação nos custos no período, e outro a cada mudança de faixa etária. Desde 2004, porém, o Estatuto do Idoso veta esse reajuste para idosos, por considerar que a cobrança de valores diferenciados acima de 60 anos é discriminatória. Atualmente, 6,7 milhões de usuários de planos de saúde têm acima de 60 anos.
A possibilidade de mudança nas regras foi apresentada pelo relator da comissão, Rogério Marinho (PSDB-RN), em reunião com representantes de entidades de saúde, do direito do consumidor e das operadoras de planos. A ideia era indicar os principais pontos que devem fazer parte de seu parecer, previsto para outubro. O texto deve substituir outros 140 projetos que tramitam no Legislativo.
À Folha, Marinho diz que a proposta se deve ao alto reajuste aplicado pelas operadoras na última faixa de aumento atualmente permitido. "Aos 59 anos, os planos têm feito reajuste muito maior, já que não podem reajustar depois. O que estou propondo é que haja uma espécie de pro rata, de parcelar esse aumento final, em vez de ser dado em única vez."
Já para Ana Carolina Navarrete, pesquisadora do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a medida prejudica essa faixa etária. "Não há garantia de que o que estará sendo passado ao consumidor após os 60 anos é um parcelamento ou um novo reajuste", diz.
Ela compara o modelo ao de contratos mais antigos, não regulados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), em que o reajuste ocorria a cada cinco anos. "É como se penalizasse as pessoas por sobreviver. Permitir o parcelamento é voltar para essa realidade."
Por sua vez, Solange Mendes, presidente da FenaSaúde, associação que representa as maiores operadoras do setor, vê a medida como positiva –desde que com informações "claras" ao consumidor sobre parcelas e valores. "O consumidor não teria um desembolso de uma vez só."
Um segundo ponto em análise, segundo o relator e participantes da reunião ouvidos pela Folha, é a possibilidade de o usuário aceitar ou não mudanças que hoje são feitas a cada dois anos no "rol de cobertura" –lista que contém os serviços mínimos obrigatórios que devem ser ofertados pelos planos de saúde. Para isso, as operadoras comunicariam as mudanças aos consumidores e os respectivos impactos no custo.
Marinho diz que a proposta ainda não está fechada. "O que estou propondo é que as operadoras mandem ao consumidor dizendo que isso foi incorporado e o impacto na prestação vai ser de R$ 10. Se quiser, entra na prestação. Se não, o valor vai ser menor."
Para Mário Scheffer, da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), a medida representa uma "bomba" para o consumidor e abre espaço para planos de menor cobertura. "É um absurdo. Em um momento em que o SUS, com ajuste fiscal, pode diminuir, você faz uma proposta que desobriga as operadoras [de planos] de oferecer o rol inteiro", afirma.
Mendes, da FenaSaúde, diz ver na medida uma possibilidade de contenção de custos. "O que está propondo não é uma redução do rol, mas transferir ao consumidor a decisão se ele quer", diz. "Essas pessoas que não aderiram vão ter preço menor dos planos."
OUTROS PONTOS
Outra discussão que deve fazer parte da comissão é a possibilidade de mudanças no modelo de ressarcimento ao SUS pelo atendimento de usuários de planos de saúde. Hoje, os valores cobrados seguem para o Fundo Nacional de Saúde. Agora, a ideia é que eles sejam direcionados para Estados e municípios.
"A lógica do ressarcimento é justamente ir para o Fundo Nacional de Saúde e dividir para Estados que não têm plano de saúde. Se for direto aos Estados, São Paulo vai ganhar 40%", afirma Scheffer. O ressarcimento direto, porém, é uma demanda antiga de alguns governadores. Também deve entrar na análise da comissão a revisão e nova gradação nas multas aplicadas às operadoras por negativa de cobertura e descumprimento de prazos.
Segundo Marinho, a ideia é ter "multas pedagógicas" e correspondentes a cada caso. A proposta atende a demanda das operadoras, para as quais há "desproporcionalidade" nas cobranças. "Não interessa a ninguém que o plano descumpra [as regras], tem que ter sanções. Mas não pode ser de tal forma que inclusive impacte diretamente na sua sobrevivência", afirma o deputado.
Procurada, a ANS disse que acompanha as discussões, mas não quis se manifestar.
As principais propostas de mudança
Comissão deve juntar 140 projetos recebidos em um único texto e incluir outras demandas
REAJUSTE DA MENSALIDADE
Como é hoje
Há dois tipos: um anual, por variação de custos, e um por faixa etária -o Estatuto do Idoso, porém, veta reajuste para quem tem 60 anos ou mais (planos contratados antes de 2004 têm outras regras)
Como ficaria
Estatuto do Idoso seria alterado e permitiria reajuste para beneficiários de planos com 60 anos ou mais, mas dividido em parcelas a cada cinco anos
PROCEDIMENTOS OBRIGATÓRIOS
Como é hoje
A lista é atualizada pela ANS a cada dois anos, com base em sugestões de entidades e consulta pública, e passa a valer para todos os planos quando aprovada
Como ficaria
Usuário seria informado de que houve mudanças e escolheria se os novos serviços seriam incorporados ao seu plano, mediante custo
RESSARCIMENTO AO SUS
Como é hoje
ANS cruza dados sobre segurados atendidos no SUS e exige valores de volta para a rede pública, acrescidos de 50%; recursos vão para o Fundo Nacional de Saúde e são distribuídos às regiões
Como ficaria
Em vez de repassar os valores ao Fundo Nacional de Saúde, recursos seriam destinados diretamente a Estados e municípios onde ocorreu o atendimento, e taxa de 50% seria reduzida
MULTAS
Como é hoje
Caso não siga prazos máximos de atendimento ou descumpra outras regras, operadora é advertida e pode receber multa; valores variam conforme a infração
Como ficaria
Valores seriam alterados, com novas gradações -até mais baixas. Para o relator da proposta, medida garantiria a "sobrevivência" dos planos, sobretudo os menores
COOPERATIVAS E AUTOGESTÃO
Como é hoje
Regras valem igualmente para todos os tipos de operadoras, como seguradoras, medicina de grupo, filantrópicas, cooperativas e autogestão
Como ficaria
Cooperativas, como Unimeds, e planos de autogestão teriam parte das regras flexibilizadas, como na exigência de caixa suficiente para gerenciar suas dívidas.