Participantes de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), nesta quinta-feira (28), cobraram apoio às pesquisas com célula tronco no país e, também, medidas para evitar que empresas e profissionais da área médica possam explorar a boa-fé da população com promessas de cura de doenças por meio de terapia celular ainda sem qualquer comprovação de eficácia.
Os convidados da audiência, proposta e conduzida pelo senador Hélio José (PMDB-DF), deixaram claro que o único tratamento plenamente validado até o momento em todo o mundo são os transplantes de medula óssea. Nos demais casos, as aplicações ainda estão em fase de estudos, com linhas de pesquisa em desenvolvimento também no Brasil. A visão é de que as pesquisas devem ser reforçadas, mas mantidas nos limites fixados nos protocolos oficiais, até que os benefícios sejam confirmados ou negados.
— O que acontece é que a mídia leva à população uma informação extremamente otimista sobre o uso das células tronco, de que é possível curar, tratar e regenerar tecidos, quando ainda não temos essa certeza. Temos que ‘segurar o andor’, porque isso acaba sendo uma panaceia — alertou o médico e pesquisador Alfredo Mendrone.
Hélio José salientou que a ciência deve estar a “serviço da vida”, não ao contrário. Ele se prontificou a estudar soluções legislativas para inibir irregularidades em terapias com células-tronco, como são chamadas aquelas capazes de se transformar em outros tipos de células, incluindo as do cérebro, coração, ossos, músculos e pele, dentre outros.
Busca na web
Integrante da diretoria da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), Mendrone é também diretor-técnico do Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo. Partiu dele os alertas mais firmes sobre abusos por parte de clínicas, no Brasil e até mesmo em países desenvolvidos, envolvendo falsas promessas de cura por meio de uso de células tronco. Segundo ele, basta pesquisar no buscador Google os termos “terapia celular” para se chegar a ofertas de supostos tratamentos, inclusive de clinicas veterinárias, para animais.
Mesmo nos Estados Unidos, onde Medrone disse haver controle rígido nas pesquisas e terapias, uma pesquisa publicada em 2016 revelou a existência de 350 clínicas utilizando células-tronco de modo comercial. Os tratamentos visavam desde o rejuvenescimento facial à cura do Mal de Alzheimer. Ele citou ainda o fechamento de duas grandes clínicas, uma delas na Itália, que até recebia apoio do governo, e outra chamada Excell, em Hamburgo, Alemanha, onde uma criança romena morreu depois de aplicação intracerebral de célula-tronco, tratamento sem regulamentação.
— Pasmem, cobrava-se o pagamento antes mesmo de o paciente chegar à Excell. Depois que foi fechada, aqueles que já haviam pago e sequer receberam o tratamento, quiseram o dinheiro de volta, mas não tinham a quem cobrar — relatou.
Ciência e ética
José Francisco Comenalli Marques Júnior, também da diretoria da ABHH, manifestou as mesmas preocupações do seu colega com relação ao uso indevido de terapias com células-tronco. Para Marques Júnior, que enxerga nas células tronco a “terapia do futuro”, a população pode acreditar no “poder da ciência”. Porém, como frisou, o momento ainda é de incentivar as pesquisas, que devem se pautar pela ética. Ele também defendeu a moderação dos “interesses econômicos”.
Pelo Conselho Federal de Medicina, Luís Henrique Mascarenhas Moreira, na mesma linha, afirmou que o uso das terapias não pode ser feito de modo precipitado, “por cima da legislação”, por mais que as perspectivas de resultados sejam favoráveis.
Cenário nacional
O representante do Ministério da Saúde, Augusto Barbosa Júnior, que atua na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos, traçou um panorama dos investimentos do órgão nas pesquisas em terapia celular. Em cinco anos, até 2017, foram abertos 32 editais e contratados 203 projetos de pesquisa, com gastos que chegaram a R$ 120 milhões. Mas as aplicações começaram desde 2004, com apoio a estudos centrados em quatro áreas de doenças cardíacas, em diferentes estados: isquemia, dilatação, infarto e coração chagásico (Doença de Chagas).
Das quatro áreas, três já tiveram estudos publicados, com indicações que os procedimentos envolvendo aplicação de células-tronco autólogas (do próprio paciente) em órgãos adoecidos se mostraram seguros (sem afeitos adversos), mas não promoveram melhorias nas condições dos órgãos afetados nem na qualidade de vida dos pacientes. O único estudo não concluído, envolvendo pacientes com infarto agudo, apresenta resultados parciais mais promissores. Além de seguro, o método parece contribuir para a atenuação da isquemia miocárdica.
Boas expectativas
Participou também da audiência o pesquisador Ricardo Ribeiro dos Santos, da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), que também coordena o centro de pesquisa do Hospital São Rafael em Salvador (Monte Tabor). Nesse centro se desenvolveu o estudo do uso de células-tronco no tratamento de pacientes chagásicos, sem os resultados esperados. No entanto, como revelou Santos, outras linhas de pesquisas mostram respostas positivas. É o caso dos transplantes de diferentes tipos celulares em lesões da medula espinhal (que se aloja na coluna vertebral), que muitas vezes determina a paraplegia.
— Ninguém sai do tratamento para correr a São Silvestre, mas há melhorias importantes na condição dos pacientes — disse, citando casos em que paraplégicos passam a se movimentar com andador e a ter o controle da urina.
Ricardo Ribeiro aproveitou para observar que as pesquisas em terapia clínica celular não são conduzidas no país de “modo aleatório, sem regulação”. Após destacar a eficácia do controle exercido pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgão do Conselho Nacional de Saúde (CNS), ele assinalou que o grande problema está no fato de que as pesquisas são caras e faltam recursos. Ele revelou que há trabalhos paralisados no centro de pesquisa que dirige.