Depois de algumas frustradas tentativas de imprimir uma marca a sua gestão no Ministério da Saúde e, assim, se cacifar para a candidatura petista ao governo de São Paulo, o ministro Alexandre Padilha parece finalmente ter encontrado um programa a ser apresentado na sua provável campanha em 2014: a importação de médicos estrangeiros para atuar no Brasil. A ideia é discutida há anos e pela primeira vez assumida por um ministro da área, justamente no momento em que o PT paulista decide antecipar o prazo de escolha do seu nome para o Palácio dos Bandeirantes. Polêmica, com forte apelo popular e de alcance concreto no curto prazo, a proposta faz o barulho midiático que Padilha precisa para mostrar uma bandeira de gestão e tornar-se conhecido no eleitorado paulista. Muito diferente, portanto, das outras tentativas de Padilha até agora.
O ministro sempre falou de gestão, discurso que culminou em novembro de 2012 com a publicação no "Diário Oficial" da Política Nacional de Atenção Hospitalar. O objetivo era racionalizar o Sistema Único de Saúde (SUS), com inovações como contratos de gestão, metas de desempenho e suspensão total ou parcial de repasses da União para quem não as cumprir. O problema é que os eventuais efeitos positivos disso, se houver, são de longo prazo e transpassam 2014.
Em março deste ano Padilha decidiu reformular a estrutura e as funções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no intuito de estimular a produção de medicamentos e, consequentemente, baratear o preço dos remédios para a população. Algo menos complexo do que os contratos de gestão, mas ainda com impacto temporal insuficiente. No mínimo, de médio prazo.
Neste meio tempo, porém, Padilha percebeu um indicador comum nas reclamações dos usuários do SUS nas pesquisas feitas pelo ministério que chegavam à sua mesa: a falta de médicos. Aliou isso ao negativo do setor, sempre apontando a insuficiência de médicos nos postos de saúde ou a falta deles nos locais de trabalho, apesar de contratados. Resolveu, então, tirar a ideia do papel.
As reações de estudantes de medicina e de entidades ligadas a profissionais de saúde - parcela minoritária do eleitorado - foram imediatas. Nos jornais a polêmica foi levantada e Padilha ganhou amplo espaço a semana passada no programa de entrevistas de Jô Soares, da Rede Globo.
Anteontem, almoçou com senadores do PT e ontem participou de uma audiência conjunta de comissões da Câmara para defender a ideia. Foi alvo de parlamentares da base e da oposição, contrários à proposta. Ouviu a todos com a tranquilidade costumeira sem deixar transparecer que a decisão já estava tomada. Para sustentá-la, um rol de argumentos, alguns com forte componente eleitoral.
"No Brasil, historicamente, a ampliação de vagas de especialistas não foi pautada pelas necessidades da população"; "Não vou ficar esperando período de formação de médicos [brasileiros]"; "Vamos enfrentar esse tema que outros países já enfrentaram"; "Precisamos de decisões concretas de curto prazo" e, claro: "É um debate muito sério para ser partidarizado e eleitoralizado."
Mas o que mais chama a atenção na sua defesa é a maneira como a proposta se encaixa no seu perfil e até sugere a deixa para uma apresentação sensível ao eleitorado paulista, que pouco conhece o ministro. Médico sanitarista formado pela USP, Padilha, após sua especialização teve de optar entre uma carreira mais rentável em São Paulo ou outra atendendo índios na Amazônia. Optou pela segunda. A trajetória, discorrida ontem aos deputados, cabe bem em um primeiro programa no horário eleitoral gratuito: "Troquei vaga de professor assistente na USP para ir ao interior do Pará. Acredito que outros também queiram exercer o que dignifica a profissão, que é cuidar das pessoas que precisam. Trabalhei em áreas indígenas sem nunca saber nenhuma língua deles. Isso não me impediu de salvar vidas. Entrei em áreas isoladas com tribos dizimadas em que nenhum médico já havia atuado."
Embora não lhe assegure a vaga petista muito menos uma campanha tranquila, a proposta, se avançar, pelo menos mostra que já é possível extrair algo palpável dos dois anos e meio que Padilha está à frente da Pasta. Mas a dificuldade maior será explicar à população o saldo total na saúde dos dez anos de PT no Palácio do Planalto. Saúde continua sendo das áreas mais mal avaliadas e não faltarão médicos e estudantes de medicina para mostrar na campanha que importar médicos pode não resolver tamanha insatisfação. Nesse sentido, o petista pode perder apoio de parcela importante da base da saúde do país e, assim, o tiro sair pela culatra. Não faltam imagens com hospitais públicos abarrotados e pacientes mal atendidos para mostrar. Médicos contrariados podem facilitar esse serviço.
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