Pressionados pelos planos de saúde, laboratórios de diagnóstico estão fechando seus postos de coleta ou de agendamento de exames em consultórios médicos particulares, como parte de um movimento que visa imprimir mais ética ao setor.
A proposta é acabar com a "venda casada", em que médicos prescrevem exames ao paciente –feitos ou agendados na própria clínica– e, em troca, recebem desses laboratórios valores fixos (um "aluguel" do espaço) ou variáveis (de acordo com o volume de exames que pedem).
A prática é considerada antiética porque pode levar a exames excessivos ou desnecessários ("overuse"), o que aumenta os custos da saúde. No final, quem paga essa conta são os usuários de planos (aumento das mensalidades).
A Folha apurou que só na capital de São Paulo ao menos cem clínicas já receberam ofícios dos laboratórios comunicando o fechamento dos "serviços de conveniência".
O compromisso de banir a prática foi assumido pelos laboratórios associados à Abramed (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica), que representam 49% do mercado privado de diagnósticos e 18% do total no país. Também consta no novo código de conduta da entidade.
"A Abramed não coaduna, não concorda e não incentiva qualquer oferta de benefícios financeiros diretos e indiretos por quaisquer instituições aos profissionais de saúde, que estejam atrelados ao volume de solicitação de exames, que possam configurar situações de incentivo à solicitação desnecessária de exames e violações à ética médica", diz trecho do código.
Claudia Cohn, presidente do conselho deliberativo da Abramed, afirma que o setor de diagnósticos já vinha discutindo essa questão quando planos de saúde passaram a descredenciar laboratórios que adotavam a prática.
"Existiam clínicas de médicos que mantinham serviços de conveniência para os pacientes. Eles aconteciam com remuneração fixa pelo espaço ou com percentuais com contrapartida de receita. Isso incomodava a nós e as fontes pagadoras [planos de saúde] porque muitos não faziam isso", explica.
Segundo ela, em um segundo momento, os profissionais que desejarem manter um serviço de conveniência aos seus pacientes poderão fazê-lo, desde que não recebam nenhuma contrapartida.
"O paciente é o centro disso tudo. Se ele precisa de conveniência [de agendar ou fazer o exame no próprio consultório], vamos estudar isso desde que não tenha um valor fixo ou variável agregado a ela. O valor tem que ser o serviço prestado", afirma.
CUSTOS
Para Solange Mendes, presidente da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), a existência de laboratórios dentro das clínicas médicas eleva os custos e desorganiza o sistema.
"Faz todo sentido ter partido de nós [a pressão pelo fechamento]. Só quem paga a conta pode observar os desvios. O problema foi identificado e recebemos o apoio e o reconhecimento da Abramed de que esse comportamento precisa ser mudado."
Entre 2015 e 2016, as despesas do setor suplementar com exames de diagnóstico subiram 12% (de R$ 25 bilhões para R$28 bilhões). No mesmo período, o sistema perdeu
1,5 milhão de beneficiários em razão da crise econômica.
Nos últimos quatro anos, o número de exames feitos por usuários de plano subiu 33% (de 12,4 para 16,5 ao ano).
"No momento em que a pressão dos custos é enorme, precisamos buscar modelos com maior racionalidade e maior controle", diz Solange.
O patologista Alex Garolo, presidente da SBPC/ML (Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial), afirma que a entidade apoia o movimento da Abramed como forma de reforçar a transparência do mercado e o uso racional de exames.
No entanto, ele pondera que a decisão gerou perda para os pacientes –pelo fato de ter a comodidade de fazer o exame na própria clínica.
"A grande maioria dos relacionamentos acontecem dentro de padrões éticos. Na minha experiência em Campinas, trabalhávamos com valores fixos [de aluguel do espaço], isso nunca gerou conflito ético. Mas entendo que, no atual momento político do país, é melhor pecar pelo excesso."
Segundo o médico Guilherme Barcellos, coordenador da Choosing Wisely (campanha contra o excesso de exames e o sobrediagnóstico) no Brasil, todos os estudos demonstram o impacto negativo da remuneração médica atrelada à produção de exames.
"Escolher sabiamente é fazer menos exames em média, pois há muitos desperdícios bem documentados acontecendo em larga escala, mas também é garantir para quem precisa acesso e facilidades."
EXAMES
Mesmo com a perda de 1,5 milhão de usuários de planos de saúde entre 2015 e 2016, em razão da crise econômica, o setor suplementar viu o número de procedimentos crescer 6,4% no mesmo período, atingindo 1,46 bilhão.
Entre os exames de imagens, alguns chamam atenção pelo aumento da quantidade per capita, como tomografia computadorizada (21%) e ressonância magnética (25,2%).
"O que se vê hoje no setor é o aumento das despesas assistenciais acima das receitas, com maior entrega do que o ano anterior e um número menor de consumidores. Essa conta não fecha. É preciso se indagar as razões dessa expansão", diz Solange Mendes, da FenaSaúde.
Parte do problema estaria no desperdício, que abocanha 30% dos gastos em saúde no Brasil, segundo estimativa do setor.
Má formação médica (leva a mais pedidos de exames) e o modelo de remuneração que paga toda a cadeia (hospitais, médicos e laboratórios) por procedimentos prescritos ("fee for service") e não pela qualidade da assistência seriam algumas das razões do desperdício.
O acelerado processo de envelhecimento populacional, aliado ao declínio da taxa de fecundidade, é um outro fator que preocupa.
Projeção da FenaSaúde aponta que, em dez anos, o país terá a proporção de um idoso para cada jovem, o que colocaria em risco a viabilidade econômica do mercado. Um dos preceitos do sistema de saúde privado é que os usuários jovens (que adoecem menos) exercem solidariedade com os mais idosos –que têm despesas mais de seis vezes superiores.