Cientistas correm para produzir novas vacinas
04/09/2017
O surgimento de novas doenças, como a zika, e a volta de surtos e epidemias de enfermidades que estavam um tanto esquecidas, como a febre amarela, põem em destaque uma necessidade considerada urgente pelos pesquisadores: a criação de novas vacinas. Essa corrida, que envolve vários países, inclui a possibilidade de uma nova imunização contra a gripe, na forma de “vacina universal”, com a promessa de proteger contra as diversas cepas do vírus.

Este mês, dois grandes congressos foram realizados no Brasil sobre o tema. Um foi organizado pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), em São Paulo, e o outro pela Coppe/UFRJ, no Rio, que reuniu mais de 200 especialistas. Enquanto aqui a grande queixa é o drástico corte de verbas, em muitos outros países o movimento antivacina está na lista das principais preocupações.

— Em muitas das vacinas, é necessário conseguir aquilo a que se chama “efeito de rebanho”, o que implica que a maioria da população seja vacinada, em alguns casos mais de 85%. Valores baixos de cobertura significam enormes riscos — ressalta o pesquisador Manuel Carrondo, de Portugal, país que enfrentou recentemente um surto de sarampo, doença evitável com vacina.

Carrondo é um dos cientistas que lideram projetos de novas vacinas em diferentes fases de testes contra essas doenças. Veja abaixo como estão as iniciativas de Brasil, Portugal e Estados Unidos nesse campo da medicina.

Leda Castilho

Coordenadora do Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe/UFRJ

São esperados para o início de 2018 os primeiros resultados de testes com a vacina da zika desenvolvida na Coppe/UFRJ. O projeto, iniciado em agosto de 2016, consiste em modificar geneticamente células para que imitem a estrutura externa do vírus. A tese é de que essas partículas, chamadas de pseudovirais, induzirão o organismo a gerar anticorpos, e, assim, imunizarão contra a doença.

— Ao longo do segundo semestre deste ano, faremos os primeiros ensaios em camundongos — diz a coordenadora do laboratório, Leda Castilho. — Mas é difícil estimar quanto tempo pode demorar para a vacina ficar pronta, porque precisa passar por muitos testes. Acho que de cinco a dez anos. A vacina da dengue que temos hoje no Paraná, por exemplo, levou 20 anos para ser concluída.

Já existem no mercado outras vacinas que também usam partículas “camufladas” e são eficientes. A do HPV é uma delas.

No entanto, o que mais preocupa Leda é a queda no orçamento de ciência e tecnologia:

— No caso dos projetos sobre zika, a situação ainda é um pouco melhor, mas só 0,05% do PIB é destinado a ciência e tecnologia, cem vezes menos do que na Coreia do Sul. Isso significa deixar de investir no futuro.

Barney Graham

Vice-diretor do Centro de Vacinas dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA

Em fase de testes em humanos, uma vacina de DNA contra o vírus da zika, desenvolvida nos Estados Unidos, envolveu 90 voluntários numa primeira fase, e a segunda etapa, que começou em 19 de julho, reunirá 2.400 participantes.

Entre as vacinas contra zika que estão sendo desenvolvidas em todo o mundo, esta está em estágio mais avançado: é a primeira a chegar aos testes de eficácia em humanos.

— Os requisitos de fabricação de DNA são um pouco mais simples do que algumas das outras abordagens, o que nos permite avançar mais rapidamente. Esperamos saber se a vacina funcionará no final de 2019 ou no início de 2020 — destaca Barney Graham, que está à frente do projeto. — Acreditamos que, ao entender como a vacina de DNA protege, essa informação possa ser aplicada a outras abordagens de vacina que ainda estão em desenvolvimento.

O americano se preocupa com o atual movimento antivacina:

— Isso levou ao ressurgimento de algumas doenças, como o sarampo, que são evitáveis pela vacina. O grande sucesso das vacinas resultou em algumas pessoas esquecendo o quão ruim essas doenças costumavam ser.

Elena Caride

Gerente do Programa de Vacinas Virais de Bio-Manguinhos/Fiocruz

Dois projetos de novas vacinas contra a febre amarela gerenciados pela pesquisadora Elena Caride correm em paralelo na Fiocruz, no Rio. Um deles trata de uma vacina inativada, bem diferente da que é disponibilizada hoje à população, feita com o vírus vivo atenuado. Essa alternativa eliminaria os efeitos adversos por usar o vírus morto em sua composição.

Já o segundo projeto trata de uma vacina produzida em plantas de tabaco. A espécie Nicotiana benthamiana é “contaminada” pelo vírus e, nela, passa a ser cultivada uma proteína específica da febre amarela. E é dessa proteína que é retirado o princípio ativo para a fabricação da vacina. O que a diferencia das outras formas de imunização é a facilidade de aumentar a produção em casos de surto, já que essa espécie de planta pode ser encontrada aos montes.

— Nosso objetivo não é substituir a vacina atual, mas desenvolver alternativas para atender quem não pode tomar a que existe hoje: imunodeprimidos, pessoas idosas e bebês de até 9 meses — diz Elena.

O financiamento público para esses estudos é que não está nada bom:

— Não houve aumento de verba por causa da epidemia — lamenta a pesquisadora.

Manuel Carrondo

Professor do Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica de Portugal

Uma das principais mentes por trás do desenvolvimento de uma vacina universal contra o vírus influenza, que causa a gripe, o português Manuel Carrondo explica que o objetivo é “educar o sistema imunológico” para memorizar por mais tempo a resposta às mais diversas cepas do vírus

— Uma “vacina universal” permitirá vacinar as populações apenas uma vez a cada cinco ou mais anos, em vez de termos que nos vacinar anualmente, como acontece hoje — diz ele, que não esconde os obstáculos da empreitada: — O vírus é altamente mutável, com diversas famílias de subtipos conhecidos desde a epidemia espanhola de 1918. Então, conseguir colocar uma “paleta” de imunológicos numa única vacina é enormemente difícil.

A vacina já foi testada em camundongos, em um tipo de furão e em macacos. Os últimos resultados, nos primatas, chegarão até o fim de setembro. E são eles que determinarão se valerá a pena fazer testes em humanos. A partir de possíveis resultados positivos em humanos, Carrondo estima que a vacina possa entrar no mercado quatro anos depois.

O projeto é financiado pela União Europeia e realizado em centros da Alemanha, Itália, Suíça e Holanda, além de Portugal.
Fonte: O Globo




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