A sexta-feira foi de comemoração dupla para a família de Maya: a bebê completou sete meses de vida justamente no dia em que o medicamento tão aguardado para estagnar os efeitos da grave doença com a qual ela nasceu foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O nusinersena — que atende pelo nome fantasia de Spinraza — é atualmente o único remédio que freia os sintomas de Atrofia Muscular Espinhal (AME), uma doença genética e hereditária causada pela falha na produção de uma proteína vital para o neurônio motor. Essa insuficiência faz com que o paciente não consiga mover braços e pernas e tenha dificuldade crescente para usar os músculos responsáveis pela deglutição e respiração.
O pai de Maya, Luiz Carlos Begliomini Junior, se disse aliviado.
— Já chorei, já dei risada... [A aprovação] Não foi só para Maya, foi para todas as crianças que estão na mesma situação — avalia ele. — É uma esperança de salvar a vida da minha filha. Já tínhamos comprado um bolinho para comemorar o aniversário. Agora, vamos festejar duas vezes.
Os casos de AME em que os sintomas começam a ficar visíveis antes do sete meses de vida são considerados os mais graves, sendo classificados como tipo 1, numa escala que vai até 4. O pai de Maya conta que ela provavelmente terá que passar por uma intervenção cirúrgica daqui a 15 dias para receber alimentação por sonda.
— É uma forma de evitar que ela use o rosto, que fica paralisado às vezes, porque isso pode gerar uma broncopneumonia. O rosto está ficando mais paralisado porque ela sente dor e evita mexer, então acaba atrofiando. Quero dar uma sobrevida para minha filha a tempo de a medicina evoluir e termos uma cura — pontua ele.
PRAZO DE 90 DIAS PARA DEFINIR O PREÇO
O primeiro ano de tratamento com o Spinraza consiste em seis doses. Do segundo ano de tratamento em diante, são três doses anuais. Para o resto da vida. Hoje, os pais que conseguem importar esse medicamento do exterior têm que gastar em torno de R$ 3 milhões, somando-se os custos do remédio e os impostos de importação. Esse valor é referente apenas ao primeiro ano de tratamento, isto é, as seis doses.
— Estou muito feliz, mas sei que ainda tem uma batalha grande para registrar o preço do remédio no Brasil e para incluí-lo no SUS — diz Flávio Campeão Garrido, pai de Francisco, bebê hoje com 1 ano e meio, diagnosticado com AME tipo 1 aos seis meses de vida.
A partir da data de aprovação do registro do Spinraza na Anvisa, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) tem um prazo de até 90 dias para definir o preço que será praticado. Só depois dessa etapa o remédio estará disponível para a compra no país. Depois, a empresa detentora do registro, a Biogen Brasil, deverá entrar com pedido para a inclusão do medicamento no Sistema Único de Saúde (SUS).
— A entrada desse remédio no SUS é essencial e eu espero que aconteça o mais rapidamente possível. Nenhuma família tem esse dinheiro — aspira Garrido, que é de Palmas, no Tocantins. — O que vou fazer, por enquanto, é continuar com a campanha “AME Francisco”, para arrecadar mais doações e conseguir ao menos comprar as quatro primeiras doses, por quase R$ 2 milhões. Elas precisam ser dadas com um intervalo curto entre uma e outra. Depois, terei quatro meses até ter que dar a quinta dose.
O preço é uma preocupação também para o neurologista e especialista em doenças neuromusculares Rodrigo Holanda, médico de Maya.
— Não sabemos ainda qual será o preço dele aqui, mas espero que, com a decisão, o laboratório dono da patente negocie um preço mais acessível para os pacientes. Todos eles vão precisar e vai ser difícil o governo manter um tratamento de R$ 3 milhões ao ano para apenas um paciente — comenta.
A AME atinge um em cada 10 mil bebês nascidos. O processo de registro do medicamento recebeu prioridade assim que foi protocolado junto à Anvisa, em maio deste ano. A análise, feita em cinco meses, foi considerada rápida se comparada com a maioria dos outros pedidos de registro que passam pelo órgão. No Canadá, por exemplo, esse processo levou seis meses.
— É um medicamento que muda a história da AME, dando uma possibilidade concreta de melhora significativa na qualidade de vida dos portadores dessa doença — ressaltou o diretor-presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa.
O Spinraza está registrado nos EUA, na Europa, no Japão e no Canadá. Outros países, como Suíça e Argentina, ainda estão em período de análise para futura aprovação. No Brasil, a mobilização de campanhas para arrecadar fundos para custear o tratamento pode ter sido um determinante na decisão da Anvisa, acredita o geneticista e especialista em doenças raras João Gabriel Daher.
— Dois aspectos fundamentais estão nessa decisão: o comprometimento da Anvisa na aprovação de um registro rapidamente, que entende que quanto mais demorar para iniciar o tratamento, pior o prognóstico; e o engajamento das famílias e associações nesse processo.
De acordo com o advogado Rafael Robba, mestre em gestão e políticas em sistemas de saúde, mesmo com a decisão da Anvisa, pode ser difícil para os usuários de planos de saúde conseguirem que a operadora cubra os custos do tratamento.
— O argumento das operadoras de planos de saúde será que o medicamento não está presente no rol de cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Mas, na verdade, o rol é apenas um parâmetro da cobertura mínima obrigatória dos planos, não quer dizer que o que não está ali não deve ser coberto — explica ele, que diz que a negativa do plano de saúde vai fazer com que o usuário tenha que recorrer ao SUS para ter acesso ao medicamento. — Embora esteja inserido nas diretrizes e protocolos da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), o medicamento ainda terá um valor elevado para os cofres públicos.