Responsável por gastos estimados entre US$ 7 bilhões a US$ 18 bilhões (o equivalente a R$ 22 bilhões e R$ 57 bilhões, respectivamente) somente no período de 2015 a 2017 na América Latina e Caribe, a epidemia de zika trará impacto também a longo prazo. Um estudo do Programa das Nações Unidas em parceria com a Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha, apresentado ontem, mostrou que a microcefalia, principal doença associada ao vírus que deixa sequelas incapacitantes, consumirá até US$ 28,9 bilhões (cerca de R$92,5 bilhões na região pesquisada. O Brasil responderá por uma fatia que varia de 40% a mais de 90% do custo total previsto, ou seja, entre US$ 2,9 bilhões e US$ 10,9 bilhões (cerca de R$9,3 bilhões e R$ 34,9 bilhões, respectivamente).
A variação decorre da metodologia da pesquisa “Uma avaliação do impacto socioeconômico do vírus zika na América Latina”, que usou casos do Brasil, Colômbia e Suriname para traçar as estimativas regionais, dentro de três cenários (com taxas de infecção conservadoras, médias e elevadas). São contabilizados custos diretos, como as despesas médicas, e indiretos, a exemplo da perda de produtividade e a alta mortalidade.
De acordo com o relatório, o alto montante gasto pelo Brasil é explicado não só pelo tamanho da população, mas também por ter a mais elevada probabilidade de filhos de grávidas com zika nascerem com a malformação: 10,67%. A taxa brasileira de probabilidade de ocorrência de microcefalia relacionada ao zika é de longe a maior entre os países com médias estimadas, como Panamá (2,6%) e Porto Rico (0,62%). João Paulo Toledo, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, afirmou que qualquer estimativa precisa ser observada com cuidado porque as doenças decorrentes do vírus zika, como a microcefalia, ainda são cercadas de incertezas pela comunidade científica.
— Foi feita uma modelagem matemática sujeita a todas as imprecisões e condições de temperatura e pressão. É uma probabilidade, de cada 100 mulheres grávidas infectadas, 10 podem desenvolver complicações do vírus do feto. Podem, não (significa que) vão— explica Toledo.
No Brasil, desde o fim de 2015, quando a epidemia foi identificada, 2.844 casos de microcefalia ou outras alterações relacionadas ao zika foram confirmados. Representa 20,1% do total de notificações suspeitas (14.144), sendo que 23,2% estão sendo investigadas, 43,5% foram descartadas e 13,2% acabaram excluídas do rol de registros prováveis.
Pelos dados traçados no estudo da ONU, o custo de cada caso é de US$ 890 mil ao longo da vida no Brasil, entre despesas diretas e ganhos que deixarão de ser feitos. Entra no cálculo inclusive os impactos da mortalidade, já que, segundo a pesquisa, nascidos com a malformação no cérebro têm 20% de probabilidade de óbito no primeiro ano de vida e expectativa média de 35 anos.
Embora tenha elogiado políticas sociais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a pessoas carentes com deficiência, que alcançaram as famílias das crianças acometidas pela doença, Pallavi Yagnik, especialista em saúde e uma das coordenadoras do estudo, diz que é importante garantir que as crianças com microcefalia tenham acesso aos cuidados necessários o quanto antes.
— Foi notado que o custo da atenção às crianças com microcefalia vai além do ofertado pelo BPC. Então é necessário fazer uma análise desses custos para se pensar na assistência adequada— disse Yagnik.
Daniella Diniz, assessora da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social, órgão que gerenciou o acesso das famílias com bebês com microcefalia ao BPC, reconhece que a assistência precisa ser reforçada em vários âmbitos. Sem dar detalhes, ela afirmou que algumas estratégias foram estudadas pelo governo federal no sentido de melhorar o apoio prestado contando com as redes estaduais e municipais.
NECESSIDADE DE ABORTO SEGURO
As brasileiras de mais baixa renda e escolaridade são as menos atingidas por políticas de saúde e planejamento familiar, aponta o relatório. Para ilustrar a desigualdade do acesso, os pesquisadores apontam que em Pernambuco, onde foi registrado o maior volume de casos de zika no país, a taxa de natalidade caiu cerca de 7% em 2016. No entanto, as clínicas particulares que prestam serviços a clientes mais endinheiradas registraram queda de até 45%, segundo o documento.
A pesquisa alerta que, no cenário de microcefalia associada ao zika, é ainda mais urgente zelar pela saúde sexual e reprodutiva feminina pautada no “respeito pela decisão das mulheres, acesso a informações precisas e completas, acesso à contracepção”, entre outros cuidados. Ao citar Brasil e Suriname, o relatório descreve que “políticas restritivas ao aborto na região” se agravam pelo fato de a microcefalia só poder ser identificada no terceiro mês de gravidez.
Aponta ainda que os serviços clandestinos são numerosos no Brasil.Em 2016, o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos defendeu a descriminalização do aborto em função da epidemia de zika no Brasil. No relatório divulgado pelo Pnud nesta terça, não há a mesma defesa enfática, mas o documento faz referência ao problema do aborto inseguro.
“Mesmo antes do surto de Zika, a OMS havia alertado que cerca de 95% dos 4,4 milhões de interrupções de gravidez por ano na região são realizados em condições inseguras, resultando em 12% por cento de todas as mortes maternas”, destaca.A Síndrome de Guillain Barré também é alvo do relatório, que aponta custos da ordem de US$ 123,3 milhões a US$ 4,7 bilhões ao longo da vida dos acometidos pela doença.
O cálculo leva em consideração especialmente a perda de produtividade verificada nos pacientes que acabam ficando com muitas sequelas de ordem neurológica, entre outras.