A competição acirrada que se via até recentemente no mercado brasileiro entre as operadoras de TV por assinatura e os provedores de conteúdo independentes como Netflix, Google e Facebook, acabou virando cooperação. Ou "coopetição", como dizem os especialistas. Os grandes grupos de telecomunicações, que fornecem TV paga e acesso à web via banda larga, antes reclamavam desses provedores por pegarem carona em suas redes para vender seus serviços.
Mais recentemente, perceberam que a venda de conexões de internet veloz foi o único serviço do setor que continuou em alta, apesar da crise econômica. O conteúdo não sobrevive sem internet e os consumidores não quiseram abrir mão desses serviços. É aí que a briga virou negócio.
As empresas de telecomunicações continuam argumentando que os provedores independentes também deveriam seguir os requerimentos legais e tributários do setor. Mas chegaram à conclusão que não dá para fechar as portas comerciais pela assimetria entre os dois segmentos. Afinal, não foram esses provedores (conhecidos como "over the top", ou apenas OTTs) que criaram as regras.
"Somos também empresa de banda larga fixa e móvel que se beneficia desses serviços [de provedores independentes]", diz Marcio Fabbris, vice-presidente B2C da Telefônica Brasil, dona da marca Vivo. B2C é a sigla em inglês para 'negócios aos consumidores'. "Quanto mais tiver serviços na banda larga, mais nos beneficiamos, pois temos mais valor. É uma cooperação, uma oportunidade para fazer a banda larga crescer."
A Vivo quer ser vista como um portal de bom conteúdo, e isso vem com parcerias, diz Fabbris. "Somos uma plataforma de faturamento para provedores que querem entrar no Brasil." Ele cita como exemplo a Netflix. Para ter acesso ao provedor, o cliente precisa de um aplicativo e cartão de crédito. Por que não lançar o valor na conta do telefone do cliente ou descontar do crédito do pré-pago?
Segundo Fabbris, o assunto ainda não foi discutido com a Netflix, mas ele lembra que o provedor está em momento de crescimento. "Talvez seja interessante estar na nossa base de clientes."
Esse tipo de aliança já não é novidade para a Vivo, que lançou com a Universal o Studio+ - séries de 10 minutos criadas para celular. A operadora atende os clientes, vende o produto e fatura. Nessa mesma linha, a Vivo fez parceria com a NBA, a liga de basquetebol americana, para transmitir jogos por um aplicativo e as duas partes dividem a receita. Fabbris disse que esse é um mercado que está só começando. É um serviço concorrente, reconhece, mas que adiciona clientes.
"Na TV por assinatura, a gente empacota [o conteúdo] e revende, não produzimos. Não tem nenhum motivo para não fazer isso também com novos geradores de conteúdo", afirmou. Para o executivo, logo se verá no Brasil outros grandes provedores globais fazendo parceria inclusive com operadoras concorrentes. Por enquanto, todo o conteúdo da companhia está reunido sob a plataforma de TV Vivo Play. Mas Fabbris sabe que esse modelo vai mudar, com cada programador em uma plataforma no futuro.
Os públicos de TV por assinatura e de conteúdo por internet em dispositivos móveis são diferentes. Esses últimos não querem saber de TV paga. "Não consigo pescá-los", diz Ermindo Cecchetto Neto, diretor de produtos do segmento residencial e convergência da Oi.
Para fisgá-los, a Oi lançou, em 27 de julho, sua opção de conteúdo fora do pacote de TV, em parceria com as programadoras Discovery, ESPN, Fox Networks Group Brasil, HBO, Sony, Viacom e Vubiquity. São três planos, com banda larga de 15 megabytes por segundo, com duas, cinco ou seis programadoras, que custam de R$ 114,90 a R$ 159,90. Os clientes de TV paga têm acesso ao cardápio completo de vídeo sob demanda, com 30 mil títulos, diz Cecchetto.
Desde abril do ano passado, 94% das assinaturas de TV vendidas pela Oi são combos - pacotes com telefonia fixa, banda larga e TV. Por isso, apesar de ter abrangência nacional, a tele não vende os serviços em São Paulo, onde não possui rede fixa.
O plano da Oi é conquistar 2,3 milhões clientes até o fim do ano com esse serviço. Para isso, o diretor disse que conta com a base que já possui, de 5 milhões de conexões de banda larga e uma rede de vendas que chega a 4 mil municípios. De abril de 2016 e julho de 2017, período que fez um piloto do serviço em dez Estados, a Oi captou 1,4 milhão de assinantes somando seus vários serviços, inclusive móvel, afirmou. "Agora, é alcançar 900 mil em seis meses."
O diretor da Oi disse que elevou a venda de banda larga em 15%, "incremental, sem canibalizar a TV". Para ele, o novo serviço pode ser uma isca para atrair o cliente para o mundo do conteúdo e depois rentabilizá-lo, transformando-o em assinante de TV.
Embora a Oi tenha uma rede nacional de fibra óptica com 363 mil km de extensão, essa infraestrutura não está ramificada até as casas dos clientes. O serviço de TV da Oi é majoritariamente prestado por satélite. As exceções são duas áreas do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde a fibra vai até as casas (FTTH, na sigla em inglês). Para 2018, o plano da tele é acelerar a expansão da rede de fibra e levar a banda larga e TV por esse meio.
A mineira Algar também vai lançar um serviço de vídeo independente da TV paga até setembro, disse Marcio de Jesus, diretor de varejo da empresa. É o VID+, com conteúdo do provedor Vubiquity. Inicialmente, serão oferecidos 2 mil títulos para os clientes, fora o vídeo sob demanda.
As vendas serão direcionadas aos 502 mil clientes de banda larga da Algar, 90% dos quais têm acesso pela rede de cobre; o restante é transmitido por fibra e cabo coaxial (fio de cobre blindado). A partir de 2018, haverá venda avulsa para clientes de outros provedores de internet que não possuem serviço de vídeo.
O preço do VID+ ainda está em definição, mas, segundo o diretor da Algar, será competitivo com o Netflix - que cobra de R$ 27,90 a R$ 37,90. Ele disse não temer que clientes de TV paga cancelem o serviço para ficar só com o VID+. "Vamos acessar um volume muito maior de clientes que hoje não são alvo para TV paga."
O grupo Claro /Net tem a maior fatia do mercado de TV paga: 51% de um total de 18,6 milhões de clientes no país em maio, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em seguida vem Sky (29,5%), Vivo (8,9%), Oi (7,5%), Nossa TV (0,7%) e Algar Telecom (0,5%). Por possuir uma carteira maior, a Claro também tem perdido mais assinantes - só em maio foram 108 mil desligamentos.
"Este ano ainda é de luta contra a recessão, recuperação só em 2018", disse Marco Dyodi, diretor de marketing da Claro Brasil para o mercado residencial. Com a crise, alguns clientes adaptaram os planos ao que podiam pagar; outros cancelaram a TV paga, mas mantiveram a banda larga; e houve aqueles que de fato saíram da base. "Tem sido um grande desafio para o mercado este ano", afirmou.
A Net leva a fibra até perto da casa do cliente e o último trecho segue por cabo coaxial, enquanto a Claro TV usa só satélite. O grupo também tem o maior número de clientes de banda larga. São 8,5 milhões, ou 31% dos 27,5 milhões de assinantes do país. Todos os clientes de TV por banda larga têm acesso a vídeo sob demanda. Grande parte da estratégia da empresa é convertê-los em usuários de vídeo.