Governo anuncia a liberação dos recursos para a área e avisa que implantará sistema para controlar a produtividade dos profissionais. CFM e AMB acusam União de culpar a classe pela grave crise do setor público
O governo anunciou ontem que implantará um sistema de biometria para fiscalizar o trabalho dos médicos na rede pública e para reunir dados de pacientes. O objetivo é controlar a produtividade e forçar o cumprimento da jornada de trabalho. A medida foi comunicada em meio ao anúncio da liberação de R$ 1,7 bilhão para a saúde, na apresentação do balanço do Ministério da Saúde, no Palácio do Planalto. O valor será destinado à atenção básica e à renovação da frota de ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
“Vamos parar de fingir que a gente paga médicos, e o médico fingir que trabalha. Isso não está ajudando a saúde do Brasil”, afirmou o ministro da pasta, Ricardo Barros, durante a cerimônia. Entre as atividades que deverão ser fiscalizadas estão as consultas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), um bom atendimento deve ter, no mínimo, 15 minutos, mas nem sempre esse tempo é cumprido pelos profissionais. “Um médico que tem quatro horas de concurso pode dedicar cinco minutos para cada paciente e ir embora. Temos de ter uma média de desempenho”, acrescentou Barros.
O chefe do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Antônio Thomaz Matta Machado, acredita que o novo sistema não vai solucionar o problema. “A política de bater ponto não resolve. É preciso investir na qualidade da atenção, num tratamento humanizado, cuidar bem do paciente”, analisou. “Para isso, deveriam criar planos e metas incentivando o empenho do profissional em vez de punir. Avaliar a qualidade do atendimento — não a quantidade —, o número de mortes, como é feito em outros países, pode ser o caminho.”
A meta do ministério é informatizar todas as unidades básicas de saúde até 2018. Para isso, será repassado um valor mensal suficiente, de acordo com o governo, para custear 50% das despesas com as empresas que prestarão o serviço.
Segundo Barros, a média de comparecimento dos médicos é de 30%, e onde o sistema foi implantado metade dos profissionais deixaram os cargos. “Eles têm vários trabalhos, não conseguem cumprir a jornada e acabam abandonando o serviço quando há maior controle.” Os municípios serão responsáveis por repassar o balanço da produtividade para a pasta. Os que não cumprirem prazos poderão sofrer processos administrativos.
Críticas
A declaração de Barros incomodou a classe médica, que reagiu por meio de nota conjunta do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Médica Brasileira (AMB). “Na incapacidade de responder aos anseios da população, transferem para as categorias da área da saúde, sobretudo para os médicos, a culpa pela grave crise que afeta a rede pública. No entanto, polêmicas infundadas não eximem o Estado de suas responsabilidades ou afasta a compreensão da falta da indispensável atenção administrativa”, diz o comunicado.
Em entrevista ao Correio, o presidente do Conselho Federal de Medicina, Carlos Vital, afirmou que os profissionais da saúde não são valorizados. “Esse sistema (de biometria) é obrigação do gestor, mas não deveria ter sido transmitido de forma a causar constrangimento à classe, que não merece isso, que atua onde falta tudo, com ansiedade e riscos à própria saúde”, reprovou. “As soluções virão com trabalho articulado entre os profissionais da saúde, gestores e a sociedade.”
Do total de recursos a serem liberados para a saúde, R$ 771,2 milhões serão investidos anualmente na atenção básica, principal porta de entrada para o SUS. A verba servirá para custeio de 12.138 agentes comunitários de saúde, 3.103 novas equipes de Saúde da Família, 2.299 novas turmas de Saúde Bucal, 882 Núcleos de Apoio à Saúde da Família, 113 novos grupos de Saúde Prisional e 34 consultórios na rua. Pelo planejamento, R$ 1 bilhão será destinado para a compra de ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). O governo promete renovar 57% da frota.