Oferta maior de analgésicos no SUS é urgente, apontam especialistas
A cada dez pessoas no Brasil, quase quatro sofrem de alguma dor crônica — aquela que persiste por mais de três meses. A maioria dessas pessoas, que compõem 37% da população, é formada por mulheres, vive nas regiões Sul e Sudeste, tem média de idade de 41 anos e sente uma dor forte o suficiente para atrapalhar as atividades cotidianas. É o que mostra uma pesquisa da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED), conduzida ao longo do ano passado.
Diretor científico da instituição, Paulo Renato Fonseca acredita em duas saídas possíveis para a redução dos casos de dor crônica e maior eficácia no tratamento são a oferta de mais analgésicos no Sistema Único de Saúde (SUS) e a criação de centros de terapia exclusivamente voltados para dor.
— É necessário padronizar os remédios no SUS, que só oferta três medicamentos “primos” da morfina. Isso é muito pouco. Com a padronização, haverá mais remédios disponíveis. Mas só isso não resolve: tem que vir, junto, a criação de centros de tratamento da dor. Imagine um centro assim dentro de um instituto do câncer. Muitos pacientes oncológicos teriam uma qualidade de vida melhor. Isso poderia nos aproximar dos índices dos países desenvolvidos — sugere o anestesiologista.
Embora a dor seja entendida como o sintoma de algum problema de saúde, no momento em que se torna crônica, ela é “promovida” a doença. Por isso, precisa de tratamento específico, sob pena de incapacitar o paciente para trabalhar ou realizar tarefas simples do dia a dia. Em 50% dos casos, a dor crônica compromete seriamente a rotina.
— Na maioria das vezes, a pessoa pode ser curada, mas o tratamento é sempre de longo prazo, então é preciso levantar essa discussão no país para que se possa investir mais no tratamento desses pacientes — pontua Fonseca.
Esse tipo de dor pode surgir por causas variadas: alguma doença infecciosa como chicungunha, herpes zoster ou Aids, como consequência de uma dor aguda não tratada ou em decorrência de câncer, por exemplo. As líderes do ranking, no país e no mundo, são a dor nas costas — também chamada de lombalgia — e a dor de cabeça.
PIORA COM USO DE CELULAR
Dados dessa pesquisa estão sendo discutidos na 4ª edição do Congresso da Sociedade Brasileira de Médicos Intervencionistas em Dor (Sobramid), que termina hoje em Campinas, São Paulo. O anestesiologista Charles Amaral de Oliveira, presidente da organização, destaca que essas dores crônicas devem aumentar ainda mais por conta do uso exagerado de celulares e tablets, especialmente por jovens.
— Estudos mostram que celulares e tablets são usados durante, em média, quatro horas por dia. E, ao mexer nesses aparelhos, nossa cabeça fica num ângulo de 60 graus, o que faz com que o peso dela passe dos sete quilos habituais para 27 quilos. Esse hábito tem alto risco de provocar uma cefaleia de origem cervical. Parece uma enxaqueca, mas é mais séria. Isso vai ser uma epidemia no futuro — acredita ele.
A média mundial de incidência de dor crônica é 35%, o que significa que o Brasil já supera a marca. Enquanto países desenvolvidos como Canadá, Holanda, Austrália e Japão mantêm esse índice na casa dos 20%, os países latinos ficam em torno dos 40%.
De acordo com o médico Paulo Renato Fonseca, isso acontece porque quanto mais desenvolvido é o país, melhor sua população lida com a dor.
— O uso de analgésicos no Brasil é bem menor do que em países desenvolvidos. Não porque os brasileiros sintam menos dor, mas porque esses remédios não são administrados sempre que deveriam. As dores de um pós-operatório, por exemplo, que são previstas, podem ser evitadas com o uso adequado de medicação. Mas muitas vezes não o são. E uma dor aguda maltratada pode acabar ocasionando uma dor crônica — afirma.
Segundo ele, o problema é mais relatado no Sul e no Sudeste porque essas são as regiões do país com mais alto Índice de Desenvolvimento humano (IDH), e pessoas mais esclarecidas e menos resignadas em relação à dor procuram mais os serviços médicos para se livrar do problema.
Outro dado chama atenção: as mulheres são as que mais relatam sofrer com dor crônica. A maior disparidade é encontrada na Região Norte: de todos os pacientes com o problema, 67% são do sexo feminino. A interpretação da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor é de que as mulheres são, tradicionalmente, mais atentas para o surgimento de dores e são as que mais frequentemente buscam atendimento médico.