A empresa norte-americana de dispositivos médicos Zimmer Biomet Holdings Inc. admitiu à Justiça dos Estados Unidos o pagamento de propinas a médicos do SUS em troca de facilitação na venda de produtos a hospitais públicos brasileiros.
A informação consta de investigação feita pelo governo americano em que a multinacional, que atua em mais de cem países, é acusada de violar legislação que proíbe práticas de corrupção no exterior (a FCPA, Foreign Corrupt Practices Act, de 1977).
Segundo documentos a que reportagem teve acesso, a corrupção teria ocorrido entre 2000 e 2008 e envolveu pagamentos de comissões de 10% a 20% do valor de produtos da empresa, que, entre outros, fabrica próteses para cirurgias de quadril e de joelho.
A ação não menciona nomes nem valores, mas diz que a empresa lucrou cerca de US$ 3,2 milhões (aproximadamente R$ 10,6 milhões) com suas vendas no Brasil no período entre 2009 e 2013.
A Zimmer responsabiliza um ex-distribuidor brasileiro pelas fraudes, mas, em acordo com a Justiça americana, aceitou as acusações e se comprometeu em não negá-las ao público ou perante qualquer tribunal.
O caso veio à tona agora porque a Zimmer e outras sete fabricantes multinacionais estão sendo processadas pela Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) nos EUA por fraudes que ultrapassam US$ 100 milhões no comércio de órteses e próteses no setor privado.
Segundo a denúncia, por meio de suas subsidiárias e distribuidores no Brasil, as multinacionais pagaram propinas a médicos e a hospitais, com a intenção de influenciá-los a usar seus dispositivos em detrimento de outros mais baratos ou mais adequados. A prática, que ficou conhecida como "máfia das próteses", traz prejuízos aos planos e ao SUS, que pagam por produtos superfaturados.
Um estudo recente daAgência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostrou que a variação de preços de uma mesma prótese em diferentes Estados passa de 3.000%.
A confissão da Zimmer sobre propinas pagas a médicos do SUS foi utilizada por advogados da Abramge para respaldar a denúncia de fraudes também no setor privado. Em sua defesa nos EUA, a Zimmer diz que a admissão à Justiça americana de pagamento de propina refere-se apenas a médicos de hospitais públicos e não pode ser estendida ao do setor privado.
Afirma que as alegações da Abramge são "parasitárias" e que não há provas do seu envolvimento em qualquer ato ilícito no setor privado. Defende ainda que a ação seja arquivada. "O tribunal deve rejeitar esse tipo de argumento parasítico", diz.
Segundo Ramos, as provas contra as multinacionais são "robustas". Ele diz que há mais de 3.000 documentos recolhidos ao longo de dois anos de investigações.
A reportagem procurou a Zimmer por meio da sua assessoria de imprensa americana, mas não teve resposta. Em janeiro, ao ser questionada sobre o processo da Abramge, disse que não falaria sobre a ação em andamento.
MINISTÉRIO
Há um mês, em evento da Abramge, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, foi informado publicamente sobre a confissão da Zimmer, mas, segundo Pedro Ramos, diretor da associação, nenhuma providência foi tomada.
"É uma desonra para o país deixar isso sem apuração. A empresa continua a realizar negócios em solo brasileiro, inclusive com o SUS. O ministro tem que apurar quem são esses médicos que receberam propinas e responsabilizá-los por isso", afirma.
Nesta quinta (29), a Abramge protocolou documento no Ministério da Saúde em que formalizou a denúncia feita verbalmente em 29 de maio.
Em nota, o Ministério da Saúde disse que Barros havia pedido à Abramge o envio formal do pedido para investigação do caso, mas que isso ocorreu apenas agora.
"O Ministério da Saúde já providenciou o envio do material à Polícia Federal, aos órgãos de controle e aos órgãos competentes, para apuração dos ilícitos relatados no ofício", informou.