Sites reduzem estresse em pacientes com câncer e controlam sintomas
19/06/2017
No maior congresso científico de câncer do mundo, que reúne quase 40 mil pessoas no mês de junho em Chicago, faz pelo menos cinco anos que a palavra de ordem é imunoterapia. Não é para menos: o tratamento, que utiliza o próprio sistema imunológico para combater o tumor, conseguiu resultados até então inéditos com menos efeitos colaterais do que as tradicionais quimioterapia e radioterapia.

Neste ano, porém, quem recebeu destaque na reunião da Asco (Sociedade Americana de Oncologia Clínica, na sigla em inglês) foram os próprios pacientes. Estudos apresentados mostraram uma preocupação em melhorar a qualidade de vida de pessoas com câncer, com diferentes estratégias.

Em um deles, os pesquisadores se concentraram na angústia experimentada por pacientes que haviam recebido o diagnóstico de câncer havia cerca de três meses. Dos 129 participantes, 75% tinha elevado nível de estresse -em sua forma crônica, ele pode até afetar a própria tolerância ao tratamento.

"A maioria dos pacientes com câncer não tem apoio psicológico", afirma Viviane Hess, médica do Hospital Universitário de Basel, na Suíça, responsável pelo estudo.

No programa desenvolvido por ela, chamado de Stream, os pacientes aprendiam sobre estresse, métodos de relaxamento, planejamento de atividades e técnicas de meditação mindfulness em oito módulos na internet. Ao final do estudo, os pesquisadores viram uma significativa melhoria na qualidade de vida.

"Eu oriento os pacientes a tentar administrar o estresse, mesmo que zerá-lo seja impossível", afirma Antônio Carlos Buzaid, chefe do centro de oncologia Antonio Ermírio de Moraes.

O modelo on-line é benéfico porque, além de prático, pode ajudar a transpor a barreira do preconceito que muitos ainda têm contra a terapia.

"O aplicativo é uma opção menos estigmatizante e menos assustadora para pessoas que nunca procurariam um profissional de saúde mental", disse à Folha Joseph Greer, diretor de oncologia psiquiátrica do Hospital Geral de Massachusetts.

Greer desenvolveu um aplicativo para tablets, também apresentado no congresso, para controle de ansiedade em pacientes com câncer avançado. Segundo ele, os modelos on-line podem compensar a falta de profissionais de saúde mental e economizam o valioso tempo dos pacientes, por dispensar mais visitas a médicos.

SINTOMAS

Muito do bem-estar dos pacientes com câncer está no manejo dos sintomas. Comunicá-los para o médico, porém, não ocorre como deveria, segundo outro estudo em destaque na reunião da Asco.

"Os pacientes ficam hesitantes de ligar para o médico até que os problemas pareçam sérios. E, na consulta, há muitos tópicos e o tempo é limitado, o que faz com que sintomas não sejam totalmente comunicados", diz Ethan Basch, pesquisador da Universidade da Carolina do Norte.

Basch desenvolveu um site no qual pacientes com câncer relatavam seus sintomas. As pessoas, também recebiam e-mails semanais incentivando a comunicá-los.

Quando os sintomas se agravavam ou novos sintomas surgiam, o sistema enviava e-mails de alerta para a equipe médica, permitindo ações rápidas da equipe.

Com essa ação relativamente simples, os pesquisadores observaram que 31% dos pacientes apresentaram melhor qualidade de vida. Além disso, os pacientes no projeto viveram cerca de cinco meses a mais do que o grupo que não usou o site.

Paulo Hoff, diretor-geral do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira (Icesp), afirma que, no tratamento de câncer, o contato entre médico e paciente precisa ser constante. "A relação não pode se limitar apenas às visitas à clínica."

De acordo com ele, a atenção extra pode trazer custos extras, mas pode muito bem ser oferecida a pacientes em serviços públicos. "No Icesp temos um programa chamado 'Alô enfermeiro' [com funcionamento 24h] que permite ligações diretas dos pacientes", diz Hoff.

Artur Katz, coordenador de oncologia do Hospital Sírio-Libanês, afirma que o uso de sites e aplicativos não é imprescindível para melhorar os problemas de relacionamento e comunicação entre médico e paciente.

"Não há necessidade de estabelecer um recurso de internet, mas de viabilizar condições para melhorar as relações humanas."

CUIDADOS PALIATIVOS

Seguindo a tendência de preocupação com o bem-estar de pacientes, durante a reunião da Asco, foram atualizadas as recomendações de cuidados paliativos para pacientes com câncer.

A nova recomendação da Asco é que os cuidados sejam iniciados em até oito semanas após o diagnóstico do câncer avançado.

Anteriormente, a recomendação não era específica, referindo-se somente a um encaminhamento precoce aos cuidados.

"Os estudos vêm reforçando que a sobrevida da pessoa aumenta quanto mais cedo você introduz o cuidado paliativo", afirma André Filipe Junqueira dos Santos, vice-presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP).

Com a falta de especificação, os pacientes eram encaminhados tardiamente aos cuidados paliativos –que envolvem também educação relacionada à doença, evolução do quadro, assistência em relação a decisões médicas e controle do estresse.

"No Brasil, os oncologistas demoram até cinco meses, em média, para encaminhar um paciente com câncer avançado para cuidados paliativos", diz Santos.

Ao dar destaque aos cuidados paliativos, a recomendação da Asco também joga luz sobre a quimioterapia paliativa, apresentada por muitos oncologistas como a única opção do paciente.

"A quimioterapia é o que os médicos sabem. Eles a consideram como o único tratamento", afirma Santos.

Segundo Maria Goretti Maciel, diretora do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, a Asco finalmente acordou para a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de começar precocemente os cuidados paliativos, juntamente com outras terapias que buscam prolongar a vida, como quimioterapia e radioterapia.

A OMS afirma que há 40 milhões de pessoas que necessitam de cuidados paliativos, dos quais somente 14% (5,6 milhões) o recebem.

"Se possível, os cuidados devem começar logo após o diagnóstico de qualquer doença grave e incurável, não somente o câncer", afirma Maria.




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