Terra de oportunidades
Valor Econômico
24/05/2013

Terra de oportunidades

Por Eduardo Belo | Para o Valor, de Brasília
 
Ruy Baron/Valor / Ruy Baron/Valor
Seminário "As Relações Brasil com a África, a Nova Fronteira do Desenvolvimento Global": indústrias de bens de consumo, infraestrutura e serviços podem encontrar possibilidades de negócio em energia, saneamento e telecomunicações

 

A combinação de indicadores econômicos positivos e uma carência histórica de bens e serviços está transformando a economia africana. O continente ensaia passar de um território de pobreza e desolação para a terra das oportunidades das próximas décadas. As projeções estão assentadas em uma conjunção de fatores que, finalmente, conspiram para o bem da região. O investimento estrangeiro direto (IED), que em 2002 era de US$ 15 bilhões, multiplicou-se por três e alcançou US$ 46 bilhões em 2012. A evolução do Produto Interno Bruto (PIB) encontra-se na casa de 5% a 6% ao ano, números que devem persistir por pelo menos mais uma década, conforme projeções do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). De acordo com o FMI, entre as dez economias de maior crescimento na próxima década, sete serão africanas.

Com recursos naturais abundantes e melhoria da renda causada pela evolução dos preços das commodities nos últimos anos, a África corre agora atrás de investimentos que assegurem o desenvolvimento sustentável em um grupo de países em que quase tudo está por fazer. Só em infraestrutura até 2027 serão necessários US$ 310 bilhões, apenas nos 14 países da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla em inglês). Sem falar nas 40 outras nações, tão ou mais carentes de recursos.

Carências que ao mesmo tempo são um manancial de oportunidades. Segundo Rubens Gama, diretor de promoção comercial e investimentos do Itamaraty, apenas 39% da população africana dispõem de energia elétrica, só 63% têm acesso a água potável e 45% à telefonia móvel (em comparação à média mundial de 70%). Além da necessidade de construir rodovias; entre as existentes, 19% são pavimentadas.

Só os investimentos em energia na área da SADC previstos para os próximos anos somam 73 projetos entre geração e distribuição, num total de US$ 143 bilhões até 2017, segundo dados apresentados pela diretora do Ministério dos Transportes de Moçambique, Odete Semiao, no seminário "As Relações Brasil com a África, a Nova Fronteira do Desenvolvimento Global", promovido terça-feira pelo Valor na Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília.

A recuperação da infraestrutura de transportes e a construção de novos portos, rodovias e ferrovias requerem mais US$ 100 bilhões no mesmo período. Outros US$ 50 bilhões teriam de ser investidos em TICs (tecnologias da informação e das comunicações) e mais US$ 16 bilhões na preservação de recursos hídricos. Sem falar nos investimentos em áreas como o turismo, que começa a ganhar ares cada vez mais profissionais no continente.

O crescimento da população africana e o aumento da renda dos países da região são outros fatores que ajudam a impulsionar a demanda dos próximos anos. Com pouco mais de 1 bilhão de habitantes, a África tem hoje 16% dos habitantes do planeta, mas deve alcançar 23% em 2050, segundo projeções da Organização das Nações Unidas (ONU).

O Brasil é um dos mais fortes candidatos a ajudar a suprir essas carências, disse o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota. Ele citou a presença do governo e de empresas brasileiras no continente africano e os laços culturais e históricos para justificar a opinião. O Brasil é a nação fora da África com maior número de embaixadas no continente (37; ao passo que 34 países do continente têm embaixador em Brasília).

As relações com a África são cada vez mais intensas e cresce a participação privada. O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva realizou em oito anos de governo 28 visitas ao continente. A presidente Dilma Rousseff, só este ano, já foi duas vezes e volta ao continente africano neste sábado, quando participa, em Adis Abeba, capital da Etiópia, das comemorações dos 50 anos da União Africana, órgão multilateral que reúne as nações do continente e visa a promoção da democracia, dos direitos humanos e do desenvolvimento econômico. Além disso, empresas como as construtoras Queiroz Galvão, Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, além de Petrobras e Vale, entre outras, já atuam no continente.

A corrente de comércio entre o país e nações africanas evoluiu de US$ 5 bilhões em 2002 para R$ 26,5 bilhões em 2012. "Há espaço para crescer", afirmou Patriota. "A África representa apenas 5% das exportações brasileiras." Segundo ele, o Brasil estaria apto a oferecer às nações africanas produtos e serviços de infraestrutura, agropecuária, exploração mineral, produção de bens de consumo e indústria de base, além de cooperar com programas sociais, como segurança alimentar e redução da pobreza.

O presidente da CNI, Robson Andrade, lembrou que a África foi "a plataforma de internacionalização" de muitas empresas brasileiras. Ele defendeu "a consolidação" da parceria entre o país e o continente como forma de o Brasil assegurar uma participação importante no futuro da economia africana.

Patriota citou ainda a estratégia brasileira de perdoar as dívidas dos países africanos com o Brasil de forma a permitir que eles aumentem seu poder de investimento no plano internacional, além de estreitar os laços de amizade e comerciais com o Brasil. Ele citou o perdão, já concedido e aprovado pelo Senado, a países como Gabão e Senegal, entre outros, e as negociações para fazer o mesmo com os débitos de Guiné Bissau, Costa do Marfim e Zâmbia.

A iniciativa do Brasil de estreitar as relações Sul-Sul, incluindo África - e também a América Latina - está fazendo com que o Atlântico deixe de ser um oceano para se tornar um pequeno rio que integra as economias, brincou o embaixador da Argélia, Djamel-Eddine Omar Bennaoum. "A África é o futuro dos negócios", declarou. "É o continente do desenvolvimento no futuro, assim como a China é hoje."

Um dos desafios do continente é atrair capital privado, disse o Ministro dos Transportes de Moçambique, Paulo Zucula. Ele lembrou o "paradoxo do ovo e da galinha" ao afirmar que muitos investimentos deixam de ser feitos na África porque não existe demanda. Assim, áreas passíveis de extração mineral deixam de ser exploradas por não haver ferrovias para escoar a produção, por exemplo. Zucula questionou se a oferta do serviço não seria suficiente para estimular a demanda: o investimento em infraestrutura prévio como fomentador das atividades produtivas. O ministro moçambicano defendeu a participação privada nos investimentos, pelo modelo de parcerias público-privadas (PPPs).

Zucula apontou os principais atrativos para os investimentos na África: o continente dispõe de 20% do território do planeta e 60% das terras aráveis, 12% das reservas de petróleo, 40% das de ouro e PIB de US$ 1,63 trilhão. A inflação média do continente está em queda, passando de 15% ao ano em 2000 para 8% em 2011. A expectativa do FMI é que chegue a 7% este ano. A dívida externa recuou de 66% do PIB em 2000 para 22,2% em 2012.

 

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