Precisamos falar sobre depressão: casos aumentaram 18,4% em uma década
16/05/2017
O jovem Orestes está triste. Sentado em uma posição displicente, ele parece olhar para o nada, cabisbaixo. Ao seu redor, o sacerdote tenta curá-lo, em uma cerimônia de purificação. Sabe-se, pela peça de Eurípedes, que ele é atormentado pelas Fúrias. São espíritos que roubaram do príncipe de Micenas a fome, a motivação (até para tomar banho) e o vigor. Desde que, estimulado pelo deus Apolo, Orestes matou a própria mãe, ele só quer saber de dormir, chora frequentemente, sente-se exausto e desesperançoso. Em um vaso grego de 400 a.C., a representação visual da tragédia não deixa dúvidas: ele sofre de depressão.

Escolhida como tema do ano pela Organização Mundial de Saúde (OMS), essa é uma doença crônica tão antiga, que textos babilônicos e egípcios de 4 mil anos atrás já faziam referências aos sintomas. Naquela época, qualquer perturbação da mente era atribuída à possessão demoníaca. Hoje, esses “demônios” internos atormentam 320 milhões de pessoas pelo globo, um aumento de 18,4% no número de diagnósticos, em comparação com 2005. Apesar de milenar e de atingir tanta gente, a depressão ainda é mal compreendida pela população em geral. Mitos sobre uma condição que por muito tempo foi conhecida por melancolia (bílis preta, em grego) perduram e podem afastar o paciente do tratamento.

“As pessoas não falam de depressão, têm vergonha e preconceito. Elas são estigmatizadas, tratadas como inúteis, preguiçosas, inseguras, descontroladas”, lamenta o psiquiatra Teng Chei Tung, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e membro da comissão científica da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata). “O primeiro conceito que as pessoas confundem é o de ser algo só psicológico, uma espécie de sofrimento maior. Esse é um fato parcial. A depressão é uma síndrome, com aspectos psicológicos e biológicos”, afirma.

Não se pode, inclusive, falar de depressão como uma única doença. Há nove tipos descritos até agora, incluindo a pós-parto. Hoje, já se sabe que processos neurodegenerativos também estão envolvidos, e a depressão é considerada fator de risco para Alzheimer. Além disso, pesquisadores investigam a influência mútua de alterações metabólicas: aparentemente, problemas cardíacos e diabetes podem levar à depressão, e vice-versa.

De acordo com Tung, isso se deve a substâncias tóxicas geradas pelas inflamações crônicas. “Um infarto lesiona as células do coração. Quando isso acontece, as células liberam fatores inflamatórios que chegam ao cérebro, para sinalizar que o corpo não está aguentando. Mas, se é algo crônico, o cérebro fica sofrendo e não dá conta”, diz. Por sua vez, a química cerebral alterada também pode desencadear doenças metabólicas. Fatores genéticos/hereditários e alterações hormonais também estariam por trás da doença.

Não à toa, as mulheres são as mais afetadas. Segundo o Ministério da Saúde, 25% da população adulta feminina sofre de depressão— para cada homem com a doença, há duas mulheres. Aquelas entre 20 e 40 anos são as mais vulneráveis. “A mulher passa por muita oscilação hormonal. É gravidez, puerpério, perimenopausa”, enumera a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.

As oscilações hormonais têm um impacto tão forte que, na gestação, até 26% das mulheres podem desenvolver o problema; de 10 a 15% sofrerão no puerpério e entre 3 e 8% sofrerão durante o período pré-menstrual. Não se trata de TPM, esclarece Abdo. “O transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) é muito mais grave. A mulher fica irascível e descontrolada”, diz. Na quarta década de vida, com o início da perda de produção hormonal, o risco de recorrência de episódios depressivos aumenta.

Tratamentos

O psiquiatra Kalil Duailibi, professor da Universidade de Santo Amaro, alerta que as recaídas estão associadas também à descontinuidade no tratamento, independentemente do sexo do paciente. Segundo o médico, a depressão pode ser leve, moderada e severa. No primeiro caso, psicoterapia e exercícios físicos cinco vezes por semana (a atividade aeróbica eleva a produção de neurotransmissores) conseguem bons resultados. Já os pacientes com sintomas mais severos precisam ser medicados. “A terapia é importante, mas as pessoas muito deprimidas não conseguem se beneficiar porque têm de estar com a cognição melhor para absorver o processo psicoterápico.”

Segundo Duailibi, é um erro acreditar que, ao desaparecerem os sintomas, o tratamento pode ser suspenso. Ele explica que, no primeiro episódio depressivo, é preciso acompanhar o paciente por mais seis meses, ainda que ele esteja assintomático. No segundo, esse tempo passa para 18 meses a dois anos. Se a pessoa tem, ao longo da vida, uma terceira crise, provavelmente, terá de usar o medicamento para o resto da vida. “No quadro depressivo, o paciente sofre muito. Para que ela não volte a passar por isso, é importante que continue no tratamento quando estiver bem. Infelizmente, há uma pressão social e os mitos. Por exemplo, de que o antidepressivo causa dependência, e isso não é verdade”, esclarece.

As inverdades e os estereótipos sobre a depressão só se amenizam quando o tema é colocado às claras, insiste o psiquiatra Teng Chei Tung, “O silêncio é o pior. Tem de falar corretamente, sem sensacionalismo ou glamour. Esse é um problema de saúde pública e tende a aumentar, caso seja negligenciado.”




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