Com irregularidades chegando a R$ 22,5 bilhões, operadoras precisam acelerar o debate sobre o assunto para conseguir pleitear novas medidas. Para IESS, mudança deve se dar na legislação
Por Vivian Ito
Depois de perder 2,5 milhões de beneficiários, a saúde suplementar deve manter as mesmas energias dispendidas nos últimos anos para obter mudanças reais no ambiente de negócios. Um estudo do IESS aponta que o trabalho das operadoras só começou já que, em 2015, cerca de R$ 22,5 bilhões dos gastos dos planos foram consideradas fraudulentos ou desnecessários.
“Agora é o momento para se debater um marco regulatório que traga medidas que evitem irregularidades”, explica o superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), Luiz Augusto Carneiro, que passou a informação com exclusividade ao DCI.
Segundo Carneiro, muito se falou sobre redução de custo neste cenário de retração no número de beneficiários na saúde suplementar, é importante manter a discussão ativa e até acelerar a construção de medidas que possam acabar com o problema. Entre as principais ações citadas estão a criação de um marco regulatório que abarquem leis que criminalizem práticas de fraude e recebimento de propina, a criação de indicadores de qualidade e medidas que incentivem a auditoria nos balanços de prestadores de serviços. “Não só demonstrativos financeiros, mas de questões operacionais e de processo”, cita.
Por último, ele cita a importância da criação de medidas mais claras sobre conflitos de interesse entre prestadores. “Entidades de classe (médica) discutem o tema, mas elas não têm autoridade para resolver. Precisamos de uma lei que torne crime a fraude e medidas que obriguem o prestador a revelar quando recebe comissão de uma fabricante”, discute.
Segundo o estudo “Evidências de práticas fraudulentas em sistemas de saúde internacionais e no Brasil”, do IESS, em 2015, cerca de 19% do total das despesas assistenciais realizadas pelas operadoras de saúde foram decorrentes de fraudes e desperdícios. Dentro do total considerado indevido, o IESS identificou que de 12% a 18% das contas hospitalares possuem itens indevidos e de 25% a 40% dos exames laboratoriais não são necessários. “Muito dinheiro indo para o ralo e apertando as operadoras”, explica. Segundo outro levantamento realizado pelo IESS, atualmente, a margem de lucratividade das empresas de planos de saúde está em 0,34%. “Se os desperdícios diminuíssem haveria uma possibilidade de reduzir em torno de 20% as despesas assistenciais e as operadoras teriam margem para diminuir o preço, porque a briga por carteiras empresariais já existe, o que falta é margem para isso”, complementa o executivo.
Ainda segundo o estudo, a saúde pública também tem sofrido com a questão. Relatório da Controladoria Geral da União (CGU), citado pelo IESS, aponta que entre 2002 e 2015, foram detectadas irregularidades de desvio de dinheiro na saúde pública que totalizaram R$ 5,04 bilhões, 27,3% do total de irregularidades em todas as áreas do governo. “Isso mostra que a criação de medidas antifraude vai beneficiar não apenas a saúde privada. O setor público também tem contrato com empresas privadas.”
Experiência internacional
Ainda de acordo com Carneiro, já existem práticas internacionais que podem servir de exemplo para o País. Nos Estados Unidos (EUA), por exemplo, a fiscalização do setor de saúde nos Estados Unidos contra fraudes e corrupção é feita pelo FBI e cerca de três textos jurídicos que discorrem o assunto. “Entre elas o The Physician Payment Sunshine Act (PPSA) que busca a transparência nas comissões da indústria para médicos”, diz.
Nos EUA também existe a lei False Claims Act (FCA), que é considerada a principal medida contra fraude no país, já que impõe responsabilidade civil sobre pessoas que conscientemente fraudam. De 2009 a 2015, o judiciário norte-americano aplicou mais de US$ 12,1 bilhões em multas relacionadas a fraude na saúde.
Com esta contrapartida, empresas internacionais também recorrem às leis norte-americanas para ressarcimento. No Brasil, entidade que representa planos divulgou em janeiro ter entrado com ações na justiça norte-americana pedindo compliance de suas filiais no Brasil. Os pedidos de indenização das brasileiras às maiores fabricantes dos EUA somam mais de US$ 100 milhões. “Aqui a fraude é institucionalizada. É necessário mostrar que incentivar o uso por conta de comissão é fraude”, explora Carneiro ao citar que teve conhecimento recente de hospitais no País que premiaram médicos que realizam maior número de pedidos de exames. “Incentivo ao desperdício também está errado”, diz.