Depois de acontecimentos dramáticos que impactaram a reputação de grandes empresas brasileiras e prejudicaram também investidores, as regras de governança corporativas foram colocadas em xeque. O questionamento sobre sua eficácia não é só de mérito e valor, mas também sobre seu real cumprimento e possível falha na fiscalização dos agentes que atuam nessa esfera.
Nesse contexto, a Comissão de valores Mobiliários (CVM), considerada o xerife das companhias abertas, não identificou de primeira o ocorrido. Mas se por um lado empresas do Grupo EBX - que adotavam os mais altos níveis de governança da BM&FBovespa -, Petrobras e Braskem estão agora no centro da investigação de corrupção da operação Lava-Jato, expondo as fragilidades de seus controles internos, por outro, órgãos públicos e entidades levaram um 'chacoalhão' e resolveram se mexer.
O resultado mais recente foi a criação e lançamento, em novembro, do novo Código Brasileiro de Governança Corporativa que está em processo de audiência pública e deve ser regulamentado pela CVM por meio da Instrução 480. O que fará com que as empresas com ações negociadas em Bolsa e as que emitem dívidas tenham obrigação de adotá-lo ou explicar ao mercado por que não o fazem. "Acho que o ocorrido foi um alerta a todos. Temos agora de ter certeza se controles internos e regras de conformidade estão de fato sendo assumidos pelas companhias", afirma Leonardo Pereira, presidente da CVM.
A regulação do órgão irá unificar as normas e dá ênfase à criação de regras de compliance (conformidade) e ao enforcement (termo técnico em inglês que significa eficácia na aplicação da regra). O presidente da CVM ressalta que tudo faz parte de um processo e que as práticas de governança vêm evoluindo e as empresas que hoje fazem IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) não aceitam fazê-lo sem entrar direto no Novo Mercado. "Agora, governança não é mera formalidade de check list. Todos nós - investidores, reguladores e empresas - refletimos e amadurecemos na crise", relata.
Antes, existiam vários modelos e manuais de governança que as empresas optavam por adotar ou não. A partir da regulação da CVM, haverá um só e oficial, que teve como base o código do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Ele nasce com 54 normas que estão em conformidade com os princípios de governança revistos recentemente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dos quais o Brasil é signatário. "O governo brasileiro reconhece que aqueles são os melhores princípios de governança", defende Pereira.
A expectativa dos agentes de mercado é que o novo código force as empresas a uma reflexão maior e imponha a conduta do 'pratique ou explique'. Ou seja, se não adotar determinada regra terá que dizer por que tomou tal decisão, o que será julgado pelos stakeholders (toda a cadeia de relacionamento da empresa).
Outro ponto importante é a distribuição de responsabilidades. Isso porque a crise atual mostra que além da CVM, o conselho de administração e as auditorias internas e externas também falharam. A partir de agora, passa a se exigir que o conselho de administração assegure que os controles internos estejam funcionando e que dê transparência à identificação e dimensionamento de riscos e desvios de conduta.
"A empresa e sua liderança precisam usar de bom senso na instalação da governança para combinar com a curva de maturidade da companhia e os processos que precisa adotar", avalia Emilio Carazzai, presidente do IBGC, que costuma repetir com frequência que reputação tem valor econômico. "A reputação tem que estar na agenda e ela tem efeitos práticos imediatos", diz Carazzai.