Em meio aos efeitos da crise financeira, ao menos nove estados brasileiros enfrentam problemas graves na saúde pública. Somados, devem cerca de R$ 3,9 bilhões a fornecedores, entidades filantrópicas que prestam serviços hospitalares e a municípios com os quais têm convênios. A falta de dinheiro se traduz em filas, greves, atrasos de salários, falta de médicos, remédios e equipamentos, além de paralisar obras e até afetar a entrega de refeições a pacientes internados.
O Rio de Janeiro vive a situação mais grave, segundo especialistas em finanças públicas e entidades médicas ouvidos pelo GLOBO. O estado fechou o ano com um déficit de R$ 19 bilhões no orçamento e, só na área da saúde, tem R$ 2 bilhões em dívidas acumuladas desde 2015 com fornecedores de insumos, laboratórios que vendem remédios ao estado e Santas Casas. A dívida dificulta a obtenção de crédito para investimentos e a negociação com prestadores de serviço.
— Estamos pagando quem presta serviço neste momento. Infelizmente não temos condições, hoje, de resolver esse passivo — afirma o secretário estadual de Saúde, Luiz Antônio de Souza Teixeira Junior. — Tomamos a decisão de focar o dinheiro que temos no atendimento emergencial e nas unidades de referência. Cortamos locação de carros, de imóveis e outros gastos administrativos da secretaria.
De acordo com o secretário, o débito bilionário não envolve convênios atrasados com municípios, que estão sendo honrados a partir desse ano. As cidades dependem da verba estadual para manter suas unidades de saúde.
EM MINAS, DÍVIDA É DE R$ 579 MILHÕES
Entidades médicas reclamam do atraso no pagamento do salário de dezembro e do décimo terceiro e dizem que faltam insumos em alguns hospitais, como o Getúlio Vargas, na Penha. No fim do ano passado, pacientes chegaram a protestar contra a paralisação da distribuição das refeições. A secretaria de Saúde diz que a falha foi causada por uma greve e que não há problemas na distribuição de alimentos.
— O Rio atravessa uma situação calamitosa. O poder público tem condenado à morte pessoas que não encontram um atendimento médico adequado — afirma Jorge Darze, que presidiu o Sindicato dos Médicos do estado por 18 anos e hoje é diretor da Federação Nacional dos Médicos.
Em Minas Gerais, estado que fechou 2016 com deficit de R$ 8 bilhões, o governo deve cerca de R$ 579 milhões, contando a verba destinada a equipamentos, materiais de consumo e o bras. A construção do Hospital Regional de Juiz de Fora, que começou em 2009, foi paralisada no ano passado “por falta de recursos do estado”, segundo a Secretaria estadual de Saúde.
Com 290 leitos, a unidade serviria como referência para cerca de 90 cidades da Zona da Mata mineira, mas, por enquanto, não há previsão de quando ficará pronta. Como o contrato de R$ 63 milhões para a construção do hospital venceu em dezembro, será necessário fazer nova licitação ou um aditivo, o que significa que, ao final, a obra ficará ainda mais cara.
— A situação ganha contornos mais graves porque Minas é o foco da crise de febre amarela, uma doença que não poderia ter voltado. A crise acaba influenciando nisso também — diz o presidente do Sindicato dos Médicos de Minas, Fernando Mendonça.
De acordo com o governo do estado, não há atrasos de pagamentos, mas os cerca de 25% dos servidores que recebem mais de R$ 3 mil estão recebendo em duas ou três parcelas. “Em função da crise econômica (...), o estado de Minas Gerais tem se esforçado para repassar os recursos, na medida do possível".
Outro governo estadual com déficit no orçamento, o Rio Grande do Sul deve R$ 490 milhões relacionados a Saúde. No estado, prefeitos reclamam da demora para receber verbas estaduais que seriam utilizadas em postos de saúde e pequenos hospitais. Anteontem, a secretaria estadual da Saúde anunciou um acordo para pagar entidades filantrópicas: as instituições poderão usar uma linha de crédito que, anos depois, será paga pelo estado.
— Estamos vendendo nosso futuro. O estado chegou à beira da falência. Estamos fazendo sacrifícios em outras áreas para conseguir manter investimentos em Saúde, Segurança e Educação — afirma o secretário de Saúde, João Gabbardo dos Reis.
A crise afeta o país inteiro. Os governos de Distrito Federal e Amazonas decretaram situação de emergência na Saúde, o que permite a utilização de verbas emergenciais e a contratação de fornecedores sem licitação. Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Tocantins, e Mato Grosso também tiveram que lidar com atrasos nos pagamentos e ameaças de greves em seus hospitais.
CULPA NÃO É SÓ DA CRISE ECONÔMICA
Por mais que tenha provocado queda na arrecadação dos estados, a crise econômica não explica sozinha a situação em que se encontra a saúde pública no Brasil. Falta de planejamento, má gestão dos recursos disponíveis e regras rígidas do funcionalismo público têm sua parcela de culpa.
A crise não começou de um dia para o outro, como lembra o professor José Matias-Pereira, especialista em orçamento público do departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB). Na opinião dele, os gestores públicos deveriam ter notado sinais de que a maré estava mudando a partir de 2014. No Rio, que hoje acumula dívida de R$ 2 bilhões na saúde, o orçamento sofreu o baque da redução no pagamento de royalties do petróleo, por exemplo.
Além disso, alguns governos aproveitam o período de bonança para conceder benefícios a funcionários. No Distrito Federal, 83% de todo o orçamento da saúde é usado para pagar salários de servidores, que trabalham, no máximo, 20 horas por semana, segundo lei de 2013. E o governo não pode reduzir o gasto com pessoal, pois é proibido demitir funcionários concursados.
Como não se planejaram, os governos estaduais são obrigados a tomar medidas duras de austeridade. Os servidores sofrem com atrasos ou parcelamento de salário; fornecedores acumulam calotes; e à população resta a falta de assistência adequada em serviços essenciais.